[O Cheiro da Relação - Crônica sobre Nada]
Num instante, as suas carnes pararam aquela tremedeira já visível de longe — a solução exata que vale o que custou: consumo rápido, bem rápido, a sôfrega golada de cachaça do bêbado que eu vi há alguns anos, lá em Uberlândia, logo de manhã ao descer do ônibus que veio do Rio — ele mandou alisar o copo, virou num gole só, pagou, e saiu — no questions asked! No balcão, brilhando de retinir, só o copo sem resto, seco; tão seco que nem o cheiro ficou no ar! Há uma notável estética na catástrofe que nos atrai, sabe-se... Mas em nada se compara àquela atração quase mórbida que nos trai [isto mesmo!] quando estamos diante de um vício — por quê? Também, se eu já tivesse encontrado todas as respostas, eu já teria as minhas cinzas espalhada nos morros de Minas... como pedi aos meus filhos!
A ousadia: uma afirmação arriscada — como qualquer afirmação — as carnes cartoriais quase se consomem a si mesmas; vivem-se anodinamente, amarelecem sem vincos, contemplando a palidez dos poentes. Curtem, sem luta, a tediosa perdição cotidiana de outras carnes igualmente cartoriais, igualmente contemplativas. Regar os velhos vasos de antúrios nos alpendres com cadeira de palhinha — é tudo que almas assim, pálidas, necessitam!
Se bem que eu sempre desconfiei de tão plácidas vidas... Com jeitosa tentação, se a gente quiser, pode instaurar o inferno da cupidez nessas vidas... Afinal, por que não fruir o prazer de conspurcar essa calmaria sem luta? Por que me queimar... só? Ser um desinquietador — esse é o nome do [meu] jogo!
Mas há no mundo — felizmente, senão, qual a graça de viver?! — as carnes trêmulas, gementes... estas são mutantes, são variantes, só navegam em águas correntes, são incontentadas sempre... E tal como o pingaiada que eu vi lá em Uberlândia, elas também se aplacam assim, sem ficar nhambadas, isto é, sem enrosco na situação — rápidas, sem análise, sem levar nenhum cheiro da relação — exatamente como convêm; nada mais idiota que os rastros... para quê? Para facilitar a caçada de quem as quer presas, submetidas, localizáveis feito a rês-madrinha, com o cincerro no pescoço — ou, atualizando a imagem — com o celular sempre em on, e não em off?! Absurdo!
Tudo que essas carnes sequiosas precisam é pagar o preço de pôr um fim [provisório] naquela tremedeira! E, repisando, sem cheiro da episódica relação, até por que logo acontecerá outra... e outra, e outra...
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[Desterro, 01 de setembro de 2012]