Contrariedades
(Flavia Costa)

 

Enfim já estamos na metade de 2012 e preciso fazer uma confissão.

Ainda não me adaptei as regras do Novo Acordo Ortográfico. Talvez, pela dificuldade em memorizar coisas recentes, acho que sou como a Dolly, a peixinha do filme Procurando Nemo. Mas também por ser cabeça-dura em relação a essas modernidades da língua.

Eu sei que muitos vão dizer que quase ninguém usava o trema. Mas, poxa, eu era do tipo que não ligava o liquidificador sem adicionar os dois pinguinhos acima do U. As minhas contas, sempre que ultrapassavam R$ 20,00, pagava com notas de cinqüenta. Assim, com trema e tudo. Hoje em dia, sinto-me uma caloteira ao fazer pagamentos com as novas cédulas de cinquenta. Elas perderam o valor agregado dos pontinhos.

Agora o que me deixa realmente perdida é o tal do hífen. Confesso que não é culpa da Reforma. As palavras com o tracinho sempre me confundiram. Mas agora que resolveram juntar umas, separar outras e manter algumas com o tal risquinho a coisa piorou muito.

Sabe, antes dessa história de acordo ortográfico, eu adorava fazer meu auto-retrato. Veja só, uma palavra bonita que até convida a ação. Hoje até ignoro a possibilidade de autorretrato. Sei lá, a proximidade com uma palavra de grafia tão feia poderia me contaminar.

Também soube que separaram o micro-ondas. Fontes seguras me afirmaram que os aparelhos mais novos não têm garantia de funcionamento. O meu, ainda é do tempo do microondas e funciona perfeitamente. Por enquanto, não tenho com que me preocupar.

Verdade seja dita, fizeram muito bem a saúde, ao separar o anti do inflamatório. Assim junto, antiinflamatório, corriam o risco de contaminar um ao outro. Agora não, a eficácia do medicamento é garantida pela ação conjunta do prefixo e do hífen atuando sobre a enfermidade (anti-inflamatório).

Agora, vamos combinar: uma coisa é a Reforma Ortográfica, outra coisa, é fazer com que objetos percam a segurança e funcionalidade em detrimento da unificação da língua. Antes, o pára-quedas, tinha o poder de deter, impedir, evitar que qualquer sujeito que se lançasse no ar se esborrachasse no chão. Hoje não. O equipamento tornou-se uma arma de suicídio, afinal, é paraquedas. Se eu não tinha coragem de saltar quando era uma palavra segura, agora que não salto mesmo.

Com relação aos acentos até que não tenho muitas dificuldades. Mas cá entre nós, algumas palavras perderam muito de sua essência e intensidade ao terem seus acentos castrados. Para, é uma delas. A grafia anterior, em si, já designava uma ordem, um comando: Pára. A grafia atual é muito fraca, passível de desobediência.

Essa questão dos acentos também nos força a mudar palavras e, pasme, até mesmo a mentir. Tudo isso, para não contradizer as vontades das novas regras, e claro, não soarmos redundantes. Veja a frase: O homem puxou o cachorro pelo pelo. Estranho não é. Tá vendo, é como eu disse, mesmo não sendo verdade, somos obrigados a falar do rabo.