Torneira Aberta

Quero escrever despreocupado. Sem ter a quem agradar. Longe das comemorações que estejam acontecendo neste momento. Das premiações. Das olimpíadas literárias. Ou de apenas piadas. Quero escrever como se estivesse sozinho. Como estou. Para um único leitor. Que eu não precisaria de mais? Claro que sim. Não poderia prescindir de leitores. Mas todos são pra mim eventuais. Ainda que necessários. Com exceção de um, que é realmente imprescindível.

Desejo ser consumido pelas letras. Atrás de um prazer que elas já me deram. E poderão dar de novo. E nesse jogo, nessa dependência quase que química, não acho que a plateia seja um necessidade biológica. Nem talvez fraseológica. Embora esteja preparado para sentir-me propenso aos aplausos. Aos cortejos. Reconheço que deles se incumbam os meus desejos. Mas não posso garantir que eles (ou isso) sejam o fundamental. O máximo será sempre me encontrar ali no meu mundinho inofensivo ou miúdo, atrás de algo com que me divirta, me depare, me encontre, me circunscreva. Ainda que seja qualquer coisa que eu possa achar deplorável depois. Talvez os outros nem tenham essa chance. E aí vou conseguir manter-me ileso. Inatingível.

Ninguém precisa mais de grandes escritores. Existe uma infinidade deles. Ou delas. Mas eu preciso de um. E este nem precisa ser bom. Basta me conceder alguma satisfação. Pode ser até momentânea. Sendo duradoura, melhor. Lembro-me de Paul Simon: “I have my books and my poetry to protect me”, em sua bela canção I am a rock. Sei que a minha literatura pequena não há de me proteger sempre. E que eventualmente poderei enjoar-me de meus livros – daqueles que eu não tiver dado. Mas deverá ser uma questão de um break, de um intervalo. Logo depois terei nos dois o meu refúgio. E eles estarão sempre por perto. Sorrindo e felizes. Tal como o cachorrinho ou cadela que a gente põe dentro do carro, leva pra um lado, leva pra outro, põe numa casa pra dormir, depois na outra, e o animalzinho está sempre ali, sorrindo quando encontra com a gente.

Não sei se é assim que dou conta de mim. Mas desconfio que seja uma forma de permanecer. Nada é incontornável. Muito menos a água saindo pela torneira. Pois a gente sabe que ela pode faltar um dia. Mas a obrigação de nos dirigirmos a ela e acioná-la é algo de que não poderemos fugir tão facilmente.

Maricá, 31/08/2012

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 31/08/2012
Reeditado em 01/09/2012
Código do texto: T3859352
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