SAMUEL FOI FAZER COMPRAS NA PAVUNA
É certo que durante a vida muitas pessoas passam por nós, assim como também passamos para muitos. Algumas encontramos nas estradas pedindo carona sem bagagem, outras com um livro, um violão e até com filhos. Às vezes paramos para ouvir suas histórias e imediatamente nos identificamos. Se houver lugar, tudo bem, vamos seguir juntos. Foi nessas idas e vindas que eu e Samuel nos encontramos.
Éramos funcionários de um banco e trabalhávamos de madrugada digitando dados de cheques. A música dele e a minha poesia nos aproximou. Certa vez um dos meus poemas, sem que eu soubesse, foi parar dentro do Caderno B do Jornal do Brasil, na coluna de crônicas do Affonso Romano de Sant’Anna. Alguns dias depois estávamos conversando com ele em noite de autógrafos de seu livro A Mulher Madura.
Foi Samuel que me apresentou a Vladimir Maiakovski, quando me presenteou com a biografia do poeta russo que ele havia encontrado na gráfica, onde seu pai trabalhava. E, sem mais nem menos, senti uma grande afinidade com aquele livro.
Uma noite, antes de começarmos a trabalhar, Samuel veio falar comigo com preocupação, pois a poesia que eu havia escrito e ele levara para casa na noite anterior e deixara em cima do piano, tinha servido para que sua mãe deixasse um recado de que estava indo à Pavuna fazer compras. Ele me entregou o poema e pediu desculpas pelo recado ter sido escrito à caneta. Eu só pude rir e, no outro dia, escrever o poema Samuel foi fazer compras na Pavuna, e presenteá-lo.
Aqui transcrevo alguns trechos: Pode o homem falar com Deus dentro do seu quarto, com a mão na porta e a porta fechada; de olhos na luz e a luz apagada. Calado, em reverência ao próprio grito, e ao silencio da leitura transparente de quem observa a natureza, contribuindo para que ela continue a existir, produzindo a energia que nos torna parte dela, que nos liga ao infinito de toda a existência, permitindo grandes encontros durante o nosso passeio(...) O homem tem em si a raiz da fé, sua luz pessoal não o desampara, pode entrar na floresta mais escura, debaixo de tempestade e sair em um jardim de oásis desconhecido, sem sequer ter sujado seus sapatos(...) Passo por ele na rua e o reconheço, vi o sol sair de seu quarto enquanto ele fazia a lista das compras(...)Algumas sombras se escondem enquanto ele passa, se puderem segui-lo de bicicleta e suportarem olhar a luz da janela do seu quarto, talvez recebam do sol um contive para ir às compras.