CRÔNICA CURTA: A RAZÃO DE NOSSA TRISTEZA
Nas ruas, nos bares, nos lares; na cidade toda há um tremendo clima de expectativa. Há uma tensão, uma angústia nos corações das pessoas. Elas estão desconfiadas. Elas esperam por algo, ansiosamente. Por isso, esquecem o presente e, se olham pro passado, choram – porque isso que elas procuram não está num nem noutro: o Sucesso é o que procuram. Em todos os muros, anúncios, conversas, telas, canções, a busca do Sucesso está gravada: ganhe dinheiro; dane-se o resto – você inclusive –, mas ganhe dinheiro! Formou-se uma classe (ou melhor: uma multidão) de homens espertos, de sabichões com pequenas cabeças e certezas enormes, dispostos a tudo pra serem iguais a todos, como pagar por uma Toyota ou por um casamento o triplo de seu valor. Homens que, como pregadores alucinados, conseguiram convencer-se e lançar a dúvida em todos os corações sobre o que é bom e justo. Há a vitória da mediocridade. Um dia, vi que minhas contas estavam todas pagas, e que até sobrava um trocadinho pra aplicar em ações. Cheguei, feliz, prum grupo de gente assim, e disse: Vejam, eu também!... Também o quê? Não! Nunca! Nem em pesadelo! Por causa de vocês, idiotas, o câncer galopa, a obesidade cresce, a loucura se espalha, o suicídio tem amigos; é obra de vocês, gente vazia, a tristeza e a chatice da vida de hoje! Vocês mataram a música, espancaram os livros, vulgarizaram as crianças. Por causa de vocês, retardados, tudo tem que ser útil, e porque tudo tem que ser útil, tudo acaba sendo inútil – a vida, até ela. Não. Afasto de mim esse cálice! Quero abraçar um amigo sem ter que me preocupar com o cochicho de vocês, dizendo: ou é bicha, ou pior: SENTIMENTAL! Quero pensar em paz. Quero ouvir MPB sem ver suas caretas de reprovação. Quero destinar cada neurônio meu à busca da face inalcançável de Deus. Quero estar mudo pra essa zoada irritante que vocês fazem, vazios e fúteis em obediência militar, a calcular juros e lucros, marcar grifes, a comprar o que é belo sem entenderem nada de beleza. Quero só isso; só dizer isso: estou fora da clientela, eu sou o cara daquele “grupinho ridículo”, e que tudo mais vá pro inferno.