O AMIGO DO HOMEM
Não me espanta, em uma sociedade onde em cada esquina tem alguém reproduzindo o senso comum de que “ o cachorro é mais confiável que o homem”, que o descaso com esse mesmo homem seja o alicerce da miséria em que ele foi atirado. Quero acreditar que o jargão canino seja metáfora, usado para expressar o descontentamento de um com a atividade do outro. Mas desconfio que tem gente que prefere mesmo os animais aos seus pares.
Permito-me refletir sobre o infeliz jargão, não é o único, tem outros iguais “ quanto mais conheço o homem, mais admiro meu cachorro”, com a cabeça de quem profere e acredita nesta sandice e encontrei essa retórica: estou descontente com as pessoas, com o mundo, comigo mesmo. Não tenho interesse em progredir como cidadão, nada é capaz de instigar a inércia a sair da cômoda condição de figurante social que ocupo no corpo da minha identidade . Aquela pessoa que todos os dias passa por mim, com uma criança no colo, pedindo, esmolando, sem ter um teto e com um pé na criminalidade, não é confiável, então a ignoro, fecho os olhos. O cachorro abandonado, olhando para o frango assado da padaria, esse sim, é de confiança e merecedor da minha humanidade, atenção e zelo.
Gosto dos animais e temos a obrigação de protegê-los quando pegamos para criar, mas não o considero meu amigo, muito menos o “melhor”. Minha relação com ele é baseada nos princípios biológicos da racionalidade. Nunca vou compreender, mesmo acreditar, que um cachorro disse alguma coisa para mim. A idéia que a frase incorpora é a que não podemos confiar em qualquer pessoa. Mas será que os defensores do reino irracional confiaria a um rottweiler a guarda de seu filho? Alguém tira uma soneca deixando um salmão em cima da mesa com um gato na cadeira? Antes que digam, vou logo antecipando:”vai depender de como o dono criou o animal”, na-na...ni-na...não.... Esse argumento não é convincente porque o cachorro pode não morder o dono, mas morde o carteiro. Não vou querer passar pelo constrangimento de receber uma visita e o cachorro rosnar para ela.
O apego excessivo por animais remete a uma reflexão profunda que passa, inevitavelmente, pela baixa estima, amor próprio, egoísmo e tendência à solidão.