“Posso cumê a galinha cá mão?” _ Gabriela, personagem de Jorge Amado

“Comer de mão” e “comer com a mão” são duas expressões comuns em Sergipe, inclusive na capital, Aracaju. Entretanto, muitos comem desse jeito, mas negam, juram de pés juntos detestarem tal costume que dizem se originar da cultura trazida pelos africanos para terras brasileiras. Outros se arvoram a afirmar que o costume vem dos indígenas. Mas, frise-se:

“Comer com as mãos era um hábito comum na Europa, no século XVI. A técnica empregada pelo índio no Brasil e por um português de Portugal era, aliás, a mesma: apanhavam o alimento com três dedos da mão direita (polegar, indicador e médio) e atiravam-no para dentro da boca.

Um viajante europeu de nome Freireyss, de passagem pelo Rio de Janeiro, já no século XIX, conta como nas casas das roças despejam-se simplesmente alguns pratos de farinha sobre a mesa ou num balainho, donde cada um se serve com os dedos, arremessando, com um movimento rápido, a farinha na boca, sem que a mínima parcela caia para fora. Outros viajantes oitocentistas, como John Luccock, Carl Seidler, Tollenare e Maria Graham descrevem esse hábito em todo o Brasil e entre todas as classes sociais. Mas para Saint-Hilaire, os brasileiros lançam a [farinha de mandioca] à boca com uma destreza adquirida, na origem, dos indígenas, e que ao europeu muito custa imitar.

Aluísio de Azevedo, em seu romance Girândola de amores (1882), descreve com realismo os hábitos de uma senhora abastada que só saboreava a moqueca de peixe sem talher, à mão.”

Bom, o jeito de como se come com a mão está dito na citação, mas, a descrição pode ser ampliada. Tentarei. Antes digo que, em geral, come-se com as mãos, desde que o indivíduo as tenha, só que, como recomenda o figurino, a etiqueta social, utiliza-se o talher _ conjunto das três peças (garfo, colher e faca).

Este comer com a mão aqui descrito dispensa o uso do talher. O sujeito vai fazendo um bolinho que pode até vir a ser um bolo maior, a depender da gulodice; quando considera que está do tamanho que lhe apetece, o comensal desliza o bolo em um prato onde está o caldo, o “melo”, a “graxa”. Enquanto faz isto, os olhos reviram de prazer e despertam apetite ou repulsa naquele que a esta cena observa.

Quanto mais humilde é a pessoa, mais aprecia comer nesse modelo. Os menos humildes, como já disse antes, até podem fazer isto, sendo que antes tomam providências e fecham bem a porta da casa ou do apartamento.

Em minha casa isto era algo impensável e comer tinha que ser muito elegante, comedido e saudável, ordens da exigente professora que era a minha mãe. Mas eis que um dia a “casa cai” e, encontrando-me grávida de primeira viagem, senti uma fome estúpida para cuja satisfação os talheres não contribuíam. Pareciam brinquedos aos meus olhos.

Olhei para todos os lados e cometi um sacrilégio, fiz algo de que me repugnava e para o que nem mesmo tinha competência. E, além de comer com a mão, comi na panela mesmo.

Excelente aquela cena da novela de Jorge Amado, quando a singela mulher de Nacib, inocente, em um jantar diante de representantes da sociedade de Ilheus, tentando equilibrar o garfo sobre a coxa assada de uma galinha, após algum esforço, perguntou: “Posso cumê a galinha cá mão?”

Foi mesmo um quadro enternecedor, tanto quanto aquele em que, sem ter a noção das lutas pela liberdade, a moça abriu a gaiola e libertou o pássaro.

Gabrielas do meu país, libertem os pássaros e podem comer de mão. Façam exatamente aquilo que lhes sugerem a simplicidade, a pureza e a verdadeira inocência. Viver em sociedade é um jogo também de maldades, de perversão e há sempre um Tonico Bastos de plantão. Como se não bastasse um marido mandão.

REFERÊNCIAS

http://educaterra.terra.com.br/educacao/enem/2002_questao50.htm