As galinhas da minha mãe
Como era maravilhoso o nosso quintal de manhãnzinha! Mais de cem galinhas no nosso terreiro, formando um tapete de muitas cores, que enchia qualquer olhar do mais puro encantamento.
Mamãe vinha com uma medida de milho no avental e jogava. Elas comiam, se estranhavam, brigavam mas comiam tudo. Ainda faltava, comeriam o dobro, mas deixava o resto para elas se virarem: Insetos, minhocas, resto de comida, frutas caídas e areia.
A galinha gosta de comer areia, tem minerais e fortalece os musculos.
A galinhada adorava quando ela colocava o milho no avental, segurava as pontas e levantava, formando uma especie de saco. Enfiava a mão e distribuía.
Algumas chegavam a pular nos seus braços. O garnisé voava em seus ombros (garnisé ordinario aquele). Tinha medo dele machucar-lhe o ôlho. Minha vontade era torcer o pescoço dele bem torcido e deixa-lo no chão se debatendo até morrer.
Se eu fizesse aquilo minha mãe iria sofrer muito, pois ela amava aquele garnisé atrevido. Poupei-o para não magoa-la.
Encantava-me aquela galinha de brincos, só vivia cantando. mamãe chamava para perto, e ela vinha no colo, acariciava-lhe a cabeça, falava algumas gracinhas e mandava ela cantar. Os vizinhos ficavam abismados vendo a galinha de brincos cantar. Mamãe a chamava de Rita Pavone. Era Rita pra lá, Rita pra cá, e ela seguia brincando, cantava e encantava a todos que a viam.
Ficavamos felizes vendo-a cantar o seu canto abençoado e discreto.
Adorava tambem as galinhas "primor". Acho que eram Inglesas, e o nome verdadeiro era Plymouth, mas não dava para pronunciar e ela falava primor. Eram elegantes, botadeiras de mão cheia, e enfeitavam o terreiro.
Haviam muitas galinhas "pescoço pelado" no terreiro, umas vinte: Pescoço pelado e vermelhinho.
O sol embelezava o pescoço daquela galinha.
Mas aqueles pescoços bronzeados me deixava encabulado:
Porque é que as mulheres gostam tanto das galinhas de pescoço pelado?
Não podiam ter uma galinha daquelas nas mãos e gostavam de
ficar acariciando e beijando o pescoço pelado, fazendo aquelas mesuras, como se elas fossem criancinhas!
Jandira tinha uma duzia. Ficava alisando, jogando talquinho, abanava com o seu lindo leque de madrepérola, e abanando as galinhas, abanava a sí propria.
Passava tardes brincando com os gatinhos, o galo gigante Cherry e as galinhas pescoço pelado, que ela acariciava com pensamentos indeléveis!
Mas o xodó do terreiro era Maria Bonita. Nunca soube a raça daquela galinha.
Era muito importante pois aqueles criadores de galos de briga, iam lá e deixavam seus galos para tirar uma ninhada, para pegar um pouco da raça.
Ofereceram até uma vaca em troca de maria Bonita. Mamãe deixava cruzar para tirar a raça, vender não!
De vez em quando ela cismava em brigar. Saia brigando e batendo em todas as galinhas do terreiro, e o que mais tinha era galinha boa de briga no quintal.
Ela brigava dias seguidos, só parava quando caía semi-morta, debaixo das arvores.
Mamãe retirava aqueles pedaços de ossos que cobriam o miolo, já exposto, fazia um curativo, amarrava umas taliscas de "Sumaré" e enfaixava a cabeça com tiras de pano, depois mandava para o isolamento.
Todo dia ela exprimia o sumo do sumaré na faixa, que ficava umedecida.
Dias depois o osso da cabeça se recompunha, tapava os miolos e ela voltava à convivencia normal.
Nunca ví uma galinha com tanta sede de briga como aquela. Tinha fúria na alma!
De vez em quando eu observava: Mamãe estava no terreiro, e ela vinha, cacarejando, ralava nas pernas, beliscava no dedo do pé bem devagar. Estava adulando para ir para o colo.
Se mamãe fazia aquilo, ela transfigurava de alegria. estar no colo de dela, era a gloria!
Na medida em que foi envelhecendo, foi deixando de botar ovos, até parar definitivamente.
Pelo fato de não reproduzir, os galos foram se afastando, e pela falta do afeto do macho, procurava o carinho de outras galinhas. Passava o grêlo na galinhada toda: Se tornou lésbica!
Continuou como matriarca do terreiro. Era altiva e guerreira!
Quando mudamos ela deu todas as galinhas para minha tia, com a condição de que Maria Bonita e Rita Pavone seriam bem tratadas. Assim foi feito!
Sempre que ia à minha cidade passava na casa da minha tia,
e via as duas, belas e formosas. Ela adorava a noticia.
Depois se tornaram saudade!
Mamãe sempre falava das suas galinhas maravilhosas!
Amava e respeitava todas como se fossem suas filhas.
Deve ter um quintalzinho no paraíso, com as primor, as arrepiadas e as pescoço pelado.
Cumpadre Antõe, cumadre Maria
Larga a coberta, ja vem o dia
A manhã acorda a passarada
Filha dileta da alegria!
(Ana Guss)