Palavras que acobertam
Mantos cobriam crianças em asilo esquecido pelos adultos, cobriam talentos que não seriam revelados, cobriam gemidos dos que escaparam das ruas.
O amanhã ainda não incomodava o sono inocente, mas já era uma ameaça, pairava sobre vítimas ainda cobertas por mantos.
Como uma imensa feira-livre, à frente do abrigo, ofereciam-se vícios, corpos e algemas; e o furto, também furtivamente, um homem do futuro levava.
Das festas sobravam latas, que se transformavam em enlutados meio de vida; sobravam bêbados a serem assaltados.
As encruzilhadas não davam opções, viver, para ele, era um malabarismo, e como malabarista nas esquinas recolhia tostões.
No carnaval conseguia sorrir, e o sorriso era sua máscara genética, botava sobre sua penúria para ser figurante da mentira.
Mente empoada não lhe permitia identificar sua parceira no amor, em casa de alojamento não havia identidade. Ainda chegaria a um asilo de anciãos.
Mas ainda havia as ruas, ou becos, que em pocilgas amontoavam gente, e mesmo ao relento, a sorte poderia lhe trazer uma faixa “-Vote em mim para Prefeito”, que seria seu cobertor