IMUNIDADE SOCIAL: O GÓTICO DAS RUAS

Pela escadaria da Sé, aquela que nos leva ao céu do santuário também chamado de Catedral Metropolitana de São Paulo, à luz dum recém chegado dia pela ensolarada manhã dum domingo e sob as fortes badaladas do sino da torre, uma procissão de pessoas escalava degrau a degrau para acessar o pavimento da igreja aonde aconteceria a missa matutina.

Ali podíamos ver uma miscelânea de culturas expostas pelos turistas que espocavam os flashes das suas câmeras fotográficas na tentativa dum melhor registro artístico daquele cenário, cartão postal da cidade, palco de tantas orações por parte dos cidadãos do mundo.

Idosos, adultos, crianças, andorinhas, transeuntes, ambulantes, pombas, policiais, moradores de rua, pedintes, drogaditos, todos amalgamados à vida daquela região que às vezes mais parece noite em plena luz do dia, não fossem as espiculadas torres das naves que clamam pela presença de Deus..

Com uma observação mais acuradamente atenta, se podia notar que o postal antigo, uma bela construção arquitetônica no estilo Gótico, datada do início do século dezesseis, contrastava seu passado glamouroso com o odor da realidade nua e crua de hoje em dia, a nos fazer holísticamente acreditar que a ureia exalada, vez ou outra trazida pela brisa que passava por lá, era apenas o sinal de que o Homem talvez ali procurasse um norte para o seu caminho perdido pelo tempo.

De repente, sentada num dos degraus da escadaria e com uma criança de colo apoiada sobre seu ventre, ela puxou pela blusa duma turista que subia e que trazia nas mãos, junto à máquina fotográfica, uma garrafinha de água mineral para minimizar o calor e o efeito da seca da cidade.

-Ô Moça, me dá um pouco da sua água?

A moça, pega de surpresa, teve o primo ímpeto de se esquivar, mas logo cedeu ao pedido da pedinte.

-Claro, pode ficar com ela, só que eu já pus a minha boca na garrafa.

Impressionantemente pude ouvir a réplica da pedinte:

-Tem problema não moça, nós já temos anticorpos para qualquer doença...

Deduzi comigo: Gótica é a doentia vida ilustrada nas ruas do centro de Sampa...como curiosidade turística, num inenarrável estilo desumano.

Nota:

Em época de eleições municipais há crônicas tão cronificadas entre nós que mesmo mudas...valem por todas as palavras não ditas.