O CASAMENTO É UMA DROGA (cotidianíssimo)

Neste feriadão, minha mulher e minha filha viajaram. Compromissos profissionais me mantiveram em Recife.

Não nego que fiquei numa baita alegria: a casa só minha, os livros, os discos, a boemia solitária, o silêncio e a meditação – uma folga pro operário!

Deixei-as na rodoviária e parti, cheio de planos na cabeça: vou ao cinema, vou cozinhar, vou ler, vou ver meus documentários, vou tomar um pileque de testa comigo, ouvindo músicas naquela sequência desordenada que só eu curto e, sobretudo: vou me amancebar com o sofá!

Cheguei do trabalho, fiz uma faxina, tomei uma ducha, preparei uma bebida, botei música pra tocar, inventei umas receitas malucas, larguei-as no fogo, acendi um cigarro, sentei-me no meio da sala e comecei a pensar na vida... Olhei pra cidade noturna, peguei a “cuba-libre”, levantei um brinde e dei uma golada enorme, tragando fundo a cigarrilha na boca gelada, suspirando: “ a vida é bela...”

Começou a vir chuva, e lembrei que as janelas estavam abertas.

Entrei no quarto da minha filha, e vi ali seus brinquedinhos, suas cartinhas escritas com aquelas letrinhas doces de quem ainda desenha as palavras – o que é infinitamente mais bonito que escrevê-las. E também suas roupinhas, os sapatinhos, os diademas cor-de-rosa... Bateu uma tristeza tão desmantelada! Veio aquele acalanto íntimo, aquela ânsia de bobão que dá na gente pra dizer: “minha bebezinha, meu denguinho, princesinha do velho...” Mas me contive, dei em mim de cotovelo: “calma, cara, isso é bobagem... são só uns dias; deixe de frescura e vá curtir!” Fechei as janelas, tranquei a porta e fui ao quarto de casal, onde estavam a cama bagunçada (molhada só de chuva) e o guarda-roupa fechado que, contra todo o bom-senso do mundo, decidi abrir. E lá havia mais desengano ainda, essa coisa toda da ausência feminina: os cintos sem cintura, os perfumes contidos, os sapatos sem direção, a maquiagem em estado de pedra, os vestidos sem alma (pense numa coisa melancólica, um vestido sem mulher dentro!)... A garganta travou. Pensei: “vou pra cachaça, acabar com essa moleza!” Virei uma dose, botei um sambão no DVD e ainda tentei, com meu molejo de “Coisinha de Jesus”, dar um passinho, mas lembrei logo (quase escuto no ar!) que o certo, o lógico, o bacana, o esperado seria, naquele momento, as duas zombando do meu patético desengonço, e logo depois (mulher troca de humor depressa!) a mulher a recomendar moderação na birita, reclamando também da bagunça, do cheiro de fumaça, da altura do som, e a filhinha, docemente mas com gravidade, a imitar as palavras da mãe, seus gestos, seu tom, imitando também o meu passo torto, tirando onda, surrupiando tira-gosto, bagunçando a casa mais que eu... Disfarçadamente, a mulher olharia pra tudo e sorriria.

Feriado cacete. Feriado sem graça. Passa logo, tempo desnecessário!

(...)

Meus amigos, meus irmãos, homens que ainda têm olhos na cara, não sejam idiotas feito este escritor que pra aprender tem de levar uma lapada: o homem só é só a solidão, e estando só ele não vê o mundo, porque não ama pra ver e ser visto. O homem só não existe, ele é menos que ninguém, porque o ninguém, pelo menos, não mete os pés pelas mãos, não desfaz a beleza.

Tenham gente pra dar cuidado, porque cuidar de si e de si apenas é a coisa mais mesquinha e sem sentido; e é coisa que desagrada à Vida, coisa que nos transforma em mera peça de mobília.

Sim, o casamento é uma droga, uma droga que cura o homem do desespero e da solidão, disse-o bem e mandou na veia aquela antiga canção.

(A quem interessar possa, a canção é esta:

http://www.youtube.com/watch?v=2N4U9pUmbxY)

Mais crônicas: http://pablodecarvalho1.blogspot.com.br/