O TATU DE CHUTEIRA (cotidiano cômico)
Pense numa coisa que me dá gosto na vida: sentar com o povo e ouvir o povo falar, ou ouvir falar do povo. Graças a Deus, fui criado na geral, na maloqueragem, na mundiça, na rafaméa, e meus amigos e parentes quase todos também o foram. E parece que dei sorte, porque quase todos também parecem apreciar a tradição oral da fuleragem. Então, ou aprendo ouvindo, ou de ouvir dizer. O que digo agora, por exemplo, meu irmão foi quem viu e me contou.
Lá vai:
Diz que, numa usina de cana em que trabalhou, havia um velhinho miúdo, funcionário antigo, muito safo, daquela raça de gente sabida que se faz de doida – a pior que tem. Esse sujeito, cujo nome não lembro (vamos chamá-lo de Zezinho), andava numa moto branca muito velha, toda desmantelada, danada pra fazer fumaça e zoada, mas que ele chamava, com todo o carinho do mundo, de Lavandeira. Essa moto pertencia à frota da usina, e quando chegou a hora de renovar a dita frota, Zezinho não se desfez da bichinha nem com a moléstia. Bateu pé. Havia criado um apego da bexiga por ela, e porque Zezinho era verdadeiro patrimônio cultural da usina, a direção, excepcionalmente, permitiu que ele ficasse com Lavandeira, isso na época e em todas as renovações de frota que daí se seguiram. Diz que estavam lá na usina todos os funcionários de motos novas, e o velhinho fazendo estrondo e poluição em Lavandeira pelos canaviais afora.
Um dia, porque chovia muito, passaram um rádio pra ele:
– Atento, Seu Zezinho!
– Zezinho na iscuta; prossiga, meu fio!
– Vá até o canavial no pé da mata, e veja se tem condições do caminhão subir a ladeira…
– Copiado, sinhô… Copiado, sinhô… Vô pegá “Lavandêlha” e vô pro setor …
– Poooositivo...
E seguiu ele, em alta velocidade, rabeando pelas poças, com Lavandeira pipocando e largando fumaça preta e nacos de barro aos borbotões.
Chegando lá, Zezinho viu que a ladeira era um lameiro só; que não dava nem pra Lavandeira subir, quanto mais um caminhão! Botou o capacete “por riba” da testa, fez uma pose de artista sobre o assento da máquina, sacou o rádio e mandou:
– Atendo base; Zezinho chamando…
– Na escuta, Seu Zezinho. Prossiga...
– Meu jovi, desloquei com “Lavandêlha” pro setor. A ladeira tá muito lisa, muito lisa; dá não; dá não, meu chefe…
– Muito lisa mesmo? Nem um caminhão descarregado sobe?
– Homi, iscuti a voiz da expiriênça! Pelas minhas conta, nem um tatu de chuteira sobe essa subida, avalie um caminhão!…
Claro que a explicação foi indiscutível (quem haveria de discordar?), e o caminhão permaneceu na garagem.
Agora, senhores engenheiros, mando o desafio: inventem uma definição de eficiência em tração e atrito, em três palavras, melhor que “tatu de chuteira”!
Dá não, meu chefe! Câmbio e desligo...
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