Contos da morte e alguma crônica macabra

Ele teria sangue frio demais para simplesmente assinar outra alma!

Dia 26 de Julho.

Ao entrar na casa procurei me manter o mais discreto possível. Apenas acompanhava meus pais e como estava mais interessado em chegar logo na hospedagem não queria que aquela visita se prolongasse.

Lá dentro, Vicente me olhou friamente nos olhos, estava claro que ele me esperava ansioso para essa conversa há muito tempo. A grande questão era que eu nunca tinha visto Vicente antes.

Todos os outros detalhes do cenário são totalmente dispensáveis e pareceriam demasiados clichês e fictícios para serem narrados nos seus pormenores. Portanto, basta saber que se tratava de um ambiente rural, um casarão da década de 1920 e habitado por, aparentemente, 4 pessoas.

Vicente me encarou várias vezes, ele me convidava para conversar sem dizer uma só palavra. Inquieto, não conseguia fugir daquele olhar perseguidor.

Procurei olhar para as outras pessoas da casa, como uma espécie de fuga. Isso me deixou ainda mais coagido. Aqueles olhares pareciam vitimas de um sacrifício, era impossível não perceber. Aqueles corpos mortos sustentavam, penosos, nada mais que ossos e carne ressequida. Aquelas cabeças continham apenas barbas grisalhas, cabelos ensebados amarrados sob panos, rugas e olhos vegetantes. Logo percebi que todos ali sofriam com as ameaças de Vicente.

Ele aparentava 40 anos de idade, cabelos escorridos com uma franja curta. Estatura baixa, um pouco acima do peso, vestindo uma camisa de gola alta não seria o tipo de pessoa que botaria algum medo a quem quer que seja.

Porém, logo na chegada percebi o quão delinquente era aquela alma. Sua mente fria seria capaz das maiores atrocidades. Por várias vezes pude flagrá-lo me encarando, tentando de alguma forma me inibir.

Os velhos eram reféns daquela tortura velada. A muito não dormiam, passavam dia e noite em uma vigília fúnebre. Vera parecia um pouco mais lúcida, menos abatida, falava sem parar e contava diversas histórias de pessoas conhecidas.

Enfim, aquela visita estava acabando, meus pais se despediam saudosos e eu procurava a porta disfarçadamente. Na saída tive de suportar o último olhar provocador daquela mente insana. Já do lado de fora da casa não me contive em balbuciar: “esse desgraçado ...”.

Dia 02 de Julho

Vera chega à casa de seus pais logo cedo. A essa hora Vicente já juntou todo rebanho em torno da coberta. Raimundo está sentado à beira do fogão preparando o fumo para o cigarro de palha. Maria também está na cozinha, sentada a um canto com o rosário na mão. O café cai lentamente do coador no grande bule de cobre.

_ Benção Pai!

O velho tentando acender o cigarro com a brasa do fogão a abençoa com os ombros. Maria nem espera o pedido da filha:

_ Deus abençoa minha filha. Leva café pro seu irmão, ontem ele perguntou por você antes de dormir.

Vera leva o café a Vicente no curral. No meio do caminho exclama com as novilhas acumuladas na porteira da coberta. Vera entra e procura por Vicente. Com um golpe de vista as xícaras esmaltadas retinem no chão. É preciso pressa. A corda já deixa escoriações no pescoço de Vicente e lhe resta pouco ar nos pulmões.

Janderson Vaz
Enviado por Janderson Vaz em 24/08/2012
Reeditado em 24/08/2012
Código do texto: T3846147
Classificação de conteúdo: seguro