Mistério X Vulgaridade
“A sociedade que cancela o mistério imerge na vulgaridade.”
A frase foi dita por Nélida Piñon em uma entrevista concedida pela escritora em um programa de TV, o que muito me fez refletir.
Nélida, aos setenta e cinco anos, é uma mulher invejável por sua perspicácia, lucidez e contemporaneidade. Detentora de vários prêmios em sua carreira literária por inúmeras obras publicadas no Brasil, e traduzidas em diversos idiomas, já tendo, inclusive, ocupado a presidência da Academia Brasileira de Letras, é uma pessoa simples, reservada, discreta e absolutamente encantadora. Brilhante em suas ideias a respeito do mundo, da História, da importância de valorizarmos o passado, pois é ele quem dita o modo de vivermos o presente, mais uma vez, ela cita uma frase muito interessante: “Para vivermos a modernidade precisamos ser arcaicos. Não é ser anacrônico, existe aí uma diferença. Mas precisamos observar a questão civilizatória e compreender que o hoje é o reflexo de antigas sociedades, com algumas melhorias, claro.” E ainda diz o seguinte: “Nós não somos inaugurais. Vivemos das grandes sobras do ser humano.” Fantástico!
Mas, vamos ao tema dessa crônica: mistério X vulgaridade. Durante a referida entrevista, um dos temas em discussão foi o “escancaramento” da vida pessoal de artistas, da vida de pessoas com alguma notoriedade na mídia, mesmo não sendo da classe artística, e até da vida de indivíduos comuns. O que Nélida quis dizer? Bem, se “captei a mensagem da divina mestra” (como dizia o cômico personagem de Rogério Cardoso na Escolinha do Professor Raimundo), o que acontece nos dias de hoje é que as pessoas estão se expondo demais. Há pessoas que fazem de tudo para ter seus minutinhos de fama e são, muitas vezes, inconsequentes. Concordo plenamente. Os reality shows, que viraram moda no país, são programas produzidos a partir de formatos importados de outros países, onde já não estão tão em moda assim, podem ser um claro exemplo disso.
De um modo geral, os participantes de tais programas são pessoas que, inconformadas em viver no anonimato, sonham com a fama a qualquer preço (quando há um milhão de reais como prêmio para o “sobrevivente” então, aí que topam qualquer parada). Também existem aquelas pessoas que já foram famosas e que andaram esquecidas do grande público, portanto, vêem nesses programas uma forma de reaparecerem na mídia.
O lamentável é que a população compra o produto, já que dá muitos pontos de audiência para as emissoras, e os “heróis” confinados conseguem alcançar o objetivo de ficar em evidência, pelo menos durante o período de exibição do programa. A atração até seria interessante se acrescentasse alguma coisa à cultura do país, entretanto, o que assistimos é um festival de baixarias, de bundas e peitos, de exacerbação da sexualidade, de intrigas, de falsidade, enfim, é um jogo onde as pessoas expõem, em rede nacional, não só suas intimidades, mas também seus defeitos de caráter. Raros são os casos em que um participante consegue se manter na mídia por apresentar algum tipo de talento. Na grande maioria dos casos, desaparecem tão rápido quanto apareceram.
Entram também nessa onda de exposição desnecessária e, às vezes, desmedida, pessoas que usam as redes sociais da internet para contarem tudo o que acontece em suas vidas. Algumas chegam ao exagero de relatar, desde o momento em que acordam, o que fazem do seu dia. Dizem o que comem no almoço ou no jantar, falam de seus conflitos familiares ou amorosos, contam de todas as festinhas que participam e acham a maior graça em revelar os pileques que tomam a cada festa, publicam tudo o que pensam demonstrando arrogância ou preconceito contra os que pensam diferente, enfim, compartilham com todos os “amigos” o que são, como são, o que vivem. É claro que os registros são ilustrados com fotos, expondo também outras pessoas que nem sempre desejam aparecer.
É evidente que nas redes sociais existem pessoas e grupos interessantes, principalmente os que divulgam conteúdos instrutivos como os literários, os que falam de ecologia, de saúde e bem-estar, de trabalhos artesanais, de música, de terapias alternativas e outros. As redes são também importantes para a prestação de serviço, para as campanhas de solidariedade, para a divulgação de trabalhos e, principalmente, para reaproximar pessoas. Entretanto, muitas delas na falta de coisas interessantes e importantes para mostrar, escancaram sua vida pessoal sem o menor constrangimento.
Também faço parte de redes sociais, é claro, afinal, se tenho mais essa ferramenta para divulgar meu trabalho, idiota eu seria se não a utilizasse. Porém, meus amigos virtuais são, na maioria, amigos reais, com os quais já tenho relações de amizade há muitos anos. Para eles até posso revelar minhas intimidades, mas não de maneira tão escancarada. Há momentos para isso e, de preferência, cara a cara, olho no olho, num ambiente aconchegante e bem particular sem que o mundo inteiro, literalmente, fique sabendo.
Como disse nossa querida Nélida Piñon: “Há que se fazer certo mistério sobre o que somos na intimidade. Quando nos expomos demasiadamente deixamos de ser interessantes e corremos o risco de cairmos na vulgaridade.”
Jô Coelho/2012.
A frase foi dita por Nélida Piñon em uma entrevista concedida pela escritora em um programa de TV, o que muito me fez refletir.
Nélida, aos setenta e cinco anos, é uma mulher invejável por sua perspicácia, lucidez e contemporaneidade. Detentora de vários prêmios em sua carreira literária por inúmeras obras publicadas no Brasil, e traduzidas em diversos idiomas, já tendo, inclusive, ocupado a presidência da Academia Brasileira de Letras, é uma pessoa simples, reservada, discreta e absolutamente encantadora. Brilhante em suas ideias a respeito do mundo, da História, da importância de valorizarmos o passado, pois é ele quem dita o modo de vivermos o presente, mais uma vez, ela cita uma frase muito interessante: “Para vivermos a modernidade precisamos ser arcaicos. Não é ser anacrônico, existe aí uma diferença. Mas precisamos observar a questão civilizatória e compreender que o hoje é o reflexo de antigas sociedades, com algumas melhorias, claro.” E ainda diz o seguinte: “Nós não somos inaugurais. Vivemos das grandes sobras do ser humano.” Fantástico!
Mas, vamos ao tema dessa crônica: mistério X vulgaridade. Durante a referida entrevista, um dos temas em discussão foi o “escancaramento” da vida pessoal de artistas, da vida de pessoas com alguma notoriedade na mídia, mesmo não sendo da classe artística, e até da vida de indivíduos comuns. O que Nélida quis dizer? Bem, se “captei a mensagem da divina mestra” (como dizia o cômico personagem de Rogério Cardoso na Escolinha do Professor Raimundo), o que acontece nos dias de hoje é que as pessoas estão se expondo demais. Há pessoas que fazem de tudo para ter seus minutinhos de fama e são, muitas vezes, inconsequentes. Concordo plenamente. Os reality shows, que viraram moda no país, são programas produzidos a partir de formatos importados de outros países, onde já não estão tão em moda assim, podem ser um claro exemplo disso.
De um modo geral, os participantes de tais programas são pessoas que, inconformadas em viver no anonimato, sonham com a fama a qualquer preço (quando há um milhão de reais como prêmio para o “sobrevivente” então, aí que topam qualquer parada). Também existem aquelas pessoas que já foram famosas e que andaram esquecidas do grande público, portanto, vêem nesses programas uma forma de reaparecerem na mídia.
O lamentável é que a população compra o produto, já que dá muitos pontos de audiência para as emissoras, e os “heróis” confinados conseguem alcançar o objetivo de ficar em evidência, pelo menos durante o período de exibição do programa. A atração até seria interessante se acrescentasse alguma coisa à cultura do país, entretanto, o que assistimos é um festival de baixarias, de bundas e peitos, de exacerbação da sexualidade, de intrigas, de falsidade, enfim, é um jogo onde as pessoas expõem, em rede nacional, não só suas intimidades, mas também seus defeitos de caráter. Raros são os casos em que um participante consegue se manter na mídia por apresentar algum tipo de talento. Na grande maioria dos casos, desaparecem tão rápido quanto apareceram.
Entram também nessa onda de exposição desnecessária e, às vezes, desmedida, pessoas que usam as redes sociais da internet para contarem tudo o que acontece em suas vidas. Algumas chegam ao exagero de relatar, desde o momento em que acordam, o que fazem do seu dia. Dizem o que comem no almoço ou no jantar, falam de seus conflitos familiares ou amorosos, contam de todas as festinhas que participam e acham a maior graça em revelar os pileques que tomam a cada festa, publicam tudo o que pensam demonstrando arrogância ou preconceito contra os que pensam diferente, enfim, compartilham com todos os “amigos” o que são, como são, o que vivem. É claro que os registros são ilustrados com fotos, expondo também outras pessoas que nem sempre desejam aparecer.
É evidente que nas redes sociais existem pessoas e grupos interessantes, principalmente os que divulgam conteúdos instrutivos como os literários, os que falam de ecologia, de saúde e bem-estar, de trabalhos artesanais, de música, de terapias alternativas e outros. As redes são também importantes para a prestação de serviço, para as campanhas de solidariedade, para a divulgação de trabalhos e, principalmente, para reaproximar pessoas. Entretanto, muitas delas na falta de coisas interessantes e importantes para mostrar, escancaram sua vida pessoal sem o menor constrangimento.
Também faço parte de redes sociais, é claro, afinal, se tenho mais essa ferramenta para divulgar meu trabalho, idiota eu seria se não a utilizasse. Porém, meus amigos virtuais são, na maioria, amigos reais, com os quais já tenho relações de amizade há muitos anos. Para eles até posso revelar minhas intimidades, mas não de maneira tão escancarada. Há momentos para isso e, de preferência, cara a cara, olho no olho, num ambiente aconchegante e bem particular sem que o mundo inteiro, literalmente, fique sabendo.
Como disse nossa querida Nélida Piñon: “Há que se fazer certo mistério sobre o que somos na intimidade. Quando nos expomos demasiadamente deixamos de ser interessantes e corremos o risco de cairmos na vulgaridade.”
Jô Coelho/2012.