Carandiru

A propósito de uma rebelião, na Detenção...

Olhando seu rosto nos jornais, é difícil crer na idade noticiada!

Como pode, um garotão assim, tão precocemente envelhecido?

Seus segredos bonitos, ninguém conheceu.

Tão pesados eram os outros...

Sonhos? Muito cedo esfacelados.

A realidade fizera feridas, impossíveis de curar.

Na mente sem talento para o bem, indestrutível indignação, nascida da ausência de chances.

O desespero do olhar, reforça a constatação de impotência, pressentida por cruéis expectantes, desse não menos cruel espetáculo.

Não havia como nem porque renunciar naquela hora... aquele caminho não oferecia retorno.

A certeza de que aquelas seriam as últimas lesões, fortalecia a resistência, embora as mãos tremessem.

(Impossível, menino, que elas não tenham tremido. Por pior que a vida o tenha feito, você não poderia ser tão mau, a ponto de nem ter medo).

Nada mais poderia repercutir em seu íntimo.

Talvez tenha se perguntado:

- De que tento escapar?

- Quem morreria por mim?

- Teria eu por quem morrer?

E se fez noite dentro dele.

Talvez, o último pensamento desse menino grande, menino feio, menino mau, que chapinhou na lama, tenha sido a irremediável consciência de estar esmagado...

É como está se sentindo, o policial.

Esmagado pelo medo.

Bom mesmo seria que tudo acabasse depressa.

Afinal, foi ele quem inventou esta guerra!

O medo otimizou a coragem.

Tinha o peito aberto, e, como único elo com a vida, curiosamente, a lembrança do olhar de sua filha.

Olhando seu rosto no jornal, é difícil crer, na ferocidade noticiada.

Na mente sem talento para a crítica, indestrutível determinação, nascida do condicionamento para matar.

Com pode um jovem ser assim, tão precocemente embrutecido?

Seriam suas culpas tão profundas, seu grito tão sufocado, seu coração tão estéril, que não pudesse sentir alguma dor, ao ceifar uma vida?

Sua maneira de agir, faz pensar em homens dirigidos por máquinas, onde nada mais haja para se considerar, senão aquilo que foi programado... doa a quem doer...

Essa demora, muito o aproxima de suas semelhanças com aquele homem...

E não havia como nem porque renunciar naquela hora... afinal, era um caminho sem retorno.

E se fez noite dentro dele.

O caminho percorrido pela bala, foi muito nítido, perceptível.

Ao alojar-se naquele corpo, fez a distância desaparecer entre os dois.

O guarda sentiu-se réu, e absolveu-se...

Com absolveria a mãe.

Olhando seu rosto no jornal, difícil crer na sobrevivência, após tanto sofrimento.

Negou-se o tempo todo a pensar naquela criança velha, com um triste brinquedo na mão, que sabia estar no telhado...

Preferia pensar no dia em que ele fosse liberto. E como poderia ensiná-lo a trilhar caminhos... com vida!

Assinou, em seu louco sonho impossível, termos de compromissos consigo mesma.

Se ele escapasse, começariam vida nova, em lugar distante, onde ninguém os conhecesse...

Todo mês, por mirrado que fosse o ganho, depositaria rosas no túmulo do soldado desconhecido, em homenagem ao que lhe poupara o filho.

Sabia que estava divagando.

Melhor seria pensar em Deus. Ia tentando negociar. Mas isso parecia falta de “ética”.

Além de tudo, pedir por um bandido!

Mas afinal, por que Ele deixou o menino virar bandido? Fora um menino tão bom!

Há tanto tempo não se lembrava de Deus! E agora, vinha com sacrilégio.

Na mente sem talento para a esperança, indestrutível resignação, nascida da intuição .

Aquele tiro doeu nela.

Soou diferente dos outros tiros.

E se fez noite dentro dela...