Deus não existe (estilo herege)

(Antes de mais nada, imito os gregos na famosa frase: EVITE O EXCESSO, cujo espírito deve povoar toda esta crônica)

O Brasil está se tornando um país chato pra caramba. Antes, era um pobre bem humorado, um estrategista contra o desespero, um brincalhão que não conseguia esconder sua tristeza. Agora é um novo-rico padrão, com todas as virtudes e cafonices de um novo-rico.

Publicamente, tornou-se (o Brasil) um senhor respeitável, politicamente corretíssimo, e com um medo tão grande de desagradar que, pra começar, criou a expressão (desgraçada expressão) afro-descendente pra não ter que chamar o cara do que ele é: negro. Ouviram? Sim, eu disse: você, amigo, é negro, bata no peito e repita comigo! Agora, eu pergunto: o branco será euro-descendente?, o índio será o não-descendente?, e o mestiço... o pluri-descendente? – eita, o mestiço então é “fidiquenga”? Vou processar alguém!

Depois, criou-se a Homofobia, e sepultou-se 40% das mais geniais piadas nacionais (Chico Anysio, hoje, seria preso depois do primeiro programa), sem conseguir-se diminuir a discriminação – aliás, agravando-a. E o cara não é gay/veado/baitola, nem diga isso!, ele é “homoafetivo”. Ou seja, dois negros homossexuais seriam um casal de afro-descendentes que viveriam uma relação homoafetiva, e se você chamá-los de negros gays, não importa o quão respeitoso seja o seu tom, é risco de cadeia, linchamento e destruição da sua imagem pela mídia.

Mas, como a coisa pegou e espinhentos, anões, gordos, zarolhos, pernetas, feios, criados por vó etc. queriam também sua cota de “respeitabilidade”, sintetizou-se o pudor cacete no “bulliyng” (em nordestinês, o “bulindo”), que é o seguinte: deixem essa criança intocada, nada de piadas com ela. Mantenham-na em constante e saudável estado de quase histeria e desconfiança, pois esse negócio de alternar riso e choro é perigoso, é muito instável!

Mas o novo-rico Brasil tem também seu lado obscuro... Se, de um lado, é extremamente cheio de pudor, do outro é depravado, vulgar, escandalosamente seboso. E essa vulgaridade, antes ficasse só na seara sexual; ela vai além: é na música, na TV, nas ideias, na vida em geral... Sim, o país que anda de gel no cabelo, e terno e gravata, por debaixo está de fio dental...

E Deus, o que tem com isso?

Mas é sobre isso que vim prosear, ora essa!

Porque o Brasil novo-rico é também o país que criou um Deus. Criou-o, aliás, à sua imagem e semelhança (do país, e não de Deus), porque novo-rico que é novo-rico não gosta de coisa usada! Assim, como disse Rosane Collor, não foi coincidência, mas Jesuscidência haver esse Deus maravilhoso criado pelo Brasil, e não vou me esconder em metáforas: criado pelos segmentos mais radicais da igreja evangélica, a partir de um projeto empoeirado da igreja católica – advirto aos eruditos: falo como povo, e não como o teólogo que não sou.

Eu, cronista incurável, converso muito com o povão na rua, e eles me explicaram como é esse Deus. Ele é assim: É furioso. Se você não cumprir o que prometeu, lhe esmaga como a uma formiga! Sua lei, sua justiça: “olho por cabeça, dente por boca.” É fiel: não volta atrás do que disse nem com a moléstia, mesmo que esteja errado a toda evidência. Por exemplo: condena ao inferno quem não o aceitou, mesmo seja um homem do bem, imaculado, e manda pro céu quem o aceita, mesmo sendo um traficante-pedófilo-nazista que beije a Bíblia trinta segundos antes de morrer. Estranhamente, é homofóbico: lugar de gay é no inferno... E praticou bullying contra muita gente, lá nos tempos da Bíblia (Isaac que o diga...). Não chega a ser racista, mas discrimina os não eleitos, os não evangélicos – coitados dos budistas, têm mesmo que meditar pra aguentar tanto desprezo... É comerciante: recompensa fé com dinheiro. É vaidoso, global: tem que ser amado, paparicado, adorado, ter o nome repetido o dia inteiro – se o cabra falar dormindo melhor ainda: repetir o sagrado nome noite adentro... É censor: pra ele só existe um livro: a Bíblia. Pros demais: fogueira. Outra coisa curiosa: é do sexo masculino... É “o” Deus... Isso é machista e sem utilidade, não? E digo mais: não sei se salva almas, mas salva imagens que é uma beleza: tanta gente canalha e criminosa, a primeira coisa que faz quando a máscara cai é “aceitar” Jesus e sair dizendo, a plenos pulmões, que o fez, como uma necessidade de fora pra dentro, e não de dentro pra fora... É... É isso que vocês todos sabem... Ah, cansaço!

Esse Deus, meus amigos, não existe, porque uma força capaz de criar, do nada, o átomo, o tigre, a música, as galáxias, a beleza, a mulher (e, claro: um Cristo, um Buda, um Ghandi, um Chico Xavier); algo com tamanha inteligência, com tamanha virtuosidade, tão esplendoroso e tão distante de nossa pequena compreensão, jamais teria tantos defeitos de caráter, jamais seria pior que muitos dos próprios filhos.

Deus não existe. Existe, apenas, a palavra Deus, e eu não creio em palavras, creio no óbvio: que tudo o que há, se fosse fruto do acaso, seria como o resultado de quem jogasse em apenas dois números e ganhasse na mega-sena; mas, tudo sendo fruto de uma Gigante Potência, de uma Suprema Inteligência (em que creio plenamente, e diante da qual me ajoelho em humildade), não pode tentar ser definido pela burrice humana, sob pena de alguém desejar apedrejar um terreiro de matriz africana, chutar uma estátua de mulher, ou pior: furtar a mixaria de pobres, ignorantes, maltratados, fracos de caráter; os filhos de Deus...

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