Jorge, de Andradas
 
          As homenagens funebres, quase sempre, destinam-se a um pequeno e reduzido grupo de pessoas famosas. Envolvem, necessariamente, flores, panegíricos e outras honrarias post mortem, sendo obrigatória a presença de altas autoridades constituídas.
          Acontece que, às vezes, a execeção é tão expressiva quanto a  regra. Foi assim que Andradas, cidade do Sul de Minas, conhecida pelos seus vinhos, diminuta na geografia, mas grande na afeição de seu povo, viu ser enterrado Jorge no Horto Florestal - acompanhado de marcha fúnebre da banda local e discurso do prefeito. Sem se importar com o inusitado de seu comportamento, a população de Andradas parou para chorar e velar a morte de Jorge. Em urna de luxo, coberta de flores, Jorge foi pranteado e enterrado. Ao majestoso ato cemiterial, mais de mil pessoas compareceram, destacandoo-se as principais autoridades municipais e emissoras de TV atentas à comoção geral. 
          Sem raça definida e travestido de simples cachorro vira-lata, obteve Jorge tamanha  proeza - há quem afirme em Andradas que ele tinha alma humana. Sociável, dotado de natural empatia e amigo de todos, sem preconceitos raciais, sociais ou políticos, levava a cada um a sua afeição e carinho. Podemos dizer até que era cristâo fervoroso, participativo e ativo, pois não somente às missas da igreja matriz comparecia, como também ao enontro do outro ia sempre.
          Jorge, entretanto, não tinha residência fixa, nem título de eleitor ou ao menos identificação civil - ostentava todavia um nome humano. Foi com seu jeito e nome que ele se fez querido das crianças, dos velhos e dos bêbados. A origem humilde de sua raça não o impediu de ser um "cão de vida pública" como bem disse a professora assistente do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais, Júnia Ferreira Furtado, em arftigo no Estado de Minas do dia 06.03.1995. E mais ainda se lê do seu texto: ao contrário de muitos políticos, sua conduta era irretocável. Comparecia a todas as festas, não fazia discursos, não reclamava da comida ou pedia favores e votos. Ia pelo simples prazer da companhia, de estar perto dos pacatos moradores de sua cidade. Jorge não tinha nada a esconder: não enriquecera ilicitamente, não frandou o leão, não votara na Comissão de Orçamento".
          Nascido cão, viveu, morreu e foi enterrado como gente, decente e civilizada. Aceito pela comunidade a ela não decepcionou; exerceu de forma plena e exemplar a "cidadania" que lhe fora dado. Na Câmara Municipal, parecendo querer participar das decisões dos vereadores, comparecia sempre, como não esquecia também  de visitar o prefeito em seu gabinete. No adeus aos amigos, lá estava ele nos velórios. Devotado como era, o seu coração sensível teve problemas cardiovasculares, e deles veio a falecer.
          Jorge resgata valores ternos e eternos, de fraternidade e verdade e,  na falta de representação humana, ele os assume simbolizando a sabedoria popular de que "mais vale um cachorro amigo do que um amigo cach
Roberto Gonçalves
Escritor 
RG
Enviado por RG em 23/08/2012
Reeditado em 20/01/2019
Código do texto: T3845558
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