A CEGONHA E O CACHORRO

Não sei se estou no avesso da vida ou na contra mão do mundo. O fato é que vivo, quase sempre, criticando o que a maioria aplaude. Cresci subindo nos pés de frutas, jogando bola nos terreiros, brincando na chuva, tomando banho de rio e tantas outras brincadeiras que hoje já não mais existem. Jogar amarelinha era um espetáculo. Peteca, pular corda, pique salva, direita está vaga..etc...

Mais adiante vieram as domingueiras no Clube, o leite de onça, o xixi de anjo, e um meio copo de pinga para quebrar a timidez... Namorar era o máximo, mesmo que fosse apenas um olhar mais profundo ou um aperto de mão. A vida era assim, simples, restrita ao nosso próprio ambiente e o mundo parecia um pequeno pássaro mansamente pousado em minha mão.

Mas eis que chegou a TV e descobri então que havia um outro mundo lá fora, diferente, ora assustador, ora cativante. De repente, tudo aquilo que era proibido passou a ser natural, pois o que acontecia em Paris começou a pintar dentro da minha casa através da telinha mágica.

Ah como eu queria beijar na boca, e isso já era possível! Aos poucos me sentia um dos irmãos coragem, solto, leve, audacioso. Era preciso acompanhar a evolução, falar gírias, usar uma calça lee, decorar algumas frases de efeito, enfim, ser moderno.

Acontece que a modernidade disparou meteóricamente e o pássaro voou para dentro da telinha de onde começou a ditar ordens, criar ídolos, mostrar catástrofes, vender ilusões, dividir classes sociais, e assim todas as brincadeirinhas foram mascaradas pelo desejo desenfreado de prazer, riqueza e poder.

Não falo da modernidade tecnológica, que sem dúvida trouxe-nos muitos benefícios, principalmente na área da saúde. Falo da modernidade moral, aquela que transformou técnico de futebol em “professor” e Professor em “titio”, que produziu a indústria pornô jogando milhares de jovens na prostituição, que banalizou o sexo, o uso de drogas e a criminalidade, que fomentou a corrupção e o calote. O que antes tinha a garantia apenas da palavra hoje não se sustenta num contrato com firma reconhecida.

Não é apenas saudosismo, mas sobretrudo uma reflexão, no momento em que ficamos mudos e estarrecidos diante de um leilão de virgindade. O mundo globalizado mascarou alguns valores e a vaidade buscou abrigo até mesmo num silicole implantado na panturrilha.

Infelizmente ignoramos a reverência civil e religiosa nessa mudança de conceitos, regras, princípios e costumes. É certo que quebramos muitos tabus e preconceitos, mas esbarramos no conflito familiar aonde pais vão ao trabalho distanciando-se de seus filhos fazendo-os muitas vezes revoltados e inobservantes dos limites das regras de conduta.

Vivi dois tempos distintos: um da cegonha, outro da depressão...,

Só falta mesmo o poste fazer xixi no cachorro!...