.:. Fractais .:.

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Catalisaram-se as relações humanas. Os diálogos, os papos virtuais, sofreram supressões; e as entrelinhas valem muito mais que o dito ou escrito.

No processo de abreviação, aposto que os falantes do “Vossa Mercê” ficariam chocados ao ouvirem um “você” dito sem qualquer cerimônia. Imaginem como se sentiriam ao abrirem o Personal Computer – PC e receberem de um amigo virtual o singelo e sem graça: “Oi! Vc[1] tá bem?”.

No mesmo diapasão, como se sentiria um mancebo do Século Romântico, ao ouvir da mais encantadora e recente musa, despretensioso “Fui...”. Será que antes da sublimação da moça ele processaria toda a mutação existente? “Vamos em boa hora”... “Vambora”... “Fui...”.

Os tempos realmente mudam. E as pessoas também! Feliz ou infelizmente – Princípio da Relatividade – a parcimônia[2] é substituída ou compensada pela riqueza ficcional da imaginação.

.:. #.:. Ni .:. # .:.

– Bom dia!

– Bom dia, senhorita! “Sei não, mas esse “Bom dia”! está muito dado... Essa aí está a fim de coisa!” – pensa, maliciosamente, seu Nico, quarentão morador do centenário bairro da Vila.

– Oi! Grande Nico, tudo em cima?

– Oi! – Responde o grande Nico, assustado como menino traquino que enfiou o grampo de cabelo da mãe na tomada. – Sei não, mas esse aí não tem pisada firme. Andando com os cotovelos para dentro, tem coisa! Tem coisa! Grande é o raio que o parta, ora! Aposto que se eu falar “Olhe a barata!” ele pula gritando, chocadíssimo, colando a mão esquerda junto ao corpo, rente ao coração; mão dobrada em concha, formando V, com as pontinhas dos dedos para baixo.

Tudo se volatilizava rápido demais na cabeça do Nico. Era tudo pensamento; nada verbalizado... O homem vivia de desabafos autogeridos.

– Bom dia, Ni! – Diz uma mocinha linda, sorrindo como o alvorecer da vida!

– Ih! Aí tem coisa... Esse Ni é íntimo demais. Nunca dei bola para essa garota! Por que tanta intimidade, de repente? Ni significa dois em japonês. Será que, indiretamente, ela está sugerindo um ménage à trois? Mas quem seria o terceiro elo dessa safadeza?

– Bom dia, Nini! – Insiste a moça. – E as novas?

– Nini? Dois mais dois são quatro! Um culto à Baco, bacanal? Seria demais para esse coroa aqui... Melhor é não responder nada e sair de mansinho. Mas espera aí: “E as novas?” Será que, subliminarmente, ela quer saber se gosto de novas? Quatro novinhas só para mim... E saiu correndo!

.:. #.:. Ni .:. # .:.

À noite, nas proximidades de casa, no bar da Ninca, prima dele, Ni/Nini está tomando refrigerante com amigos. Chegam dois negros altos, acompanhados de outros dois rapazes brancos, e todos, em uníssono, avisam aos presentes:

– É um assalto! Todos em pé, mãos à cabeça! Encostem-se, de costas para nós, na parede!

“Caraca, pensa o Ni” – Em pé e de costas para quatro assaltantes grandalhões...

Enquanto Ni divagava, suando frio com as perspectivas futuras, um dos negros, batendo-lhe nas costas, fortemente, esbraveja:

– Passe o anel, coroa!

Silêncio sepulcral.

– Eu disse para passar o anel! – Repete a voz.

Um turbilhão de pensamentos invade o sofrido eu lírico do velho Ni.

“Puxa vida! Quarentão, virgem na retaguarda e agora vulnerável, de costas... Se pelo menos fosse um dos branquinhos a pedir-me o anel, mas...”.

– Tá de saca, né! – Insiste o negão.

– Não, tô não, imagina! Estou diferindo[3] minha angústia. Tem negociação? É que assim, sem carinho, nenhuma preliminar, sabe? Toda primeira vez é difícil!

– Nunca foi assaltado, coroa?

– Nem assaltado nem...

– Isso na sua mão, no dedo, não é anel de doutor?

– Ahn! Mão? Dedo? Anel? É sim, é sim! Sou doutor, amiguinho! Anel vermelhinho...

“Se pelo menos fosse da área de saúde, daquele povo do anel verde, quem sabe o meliante tivesse medo de mim. Afinal, assalto nos causa raiva e você sabe, né, esse povo verde quando tem raiva...”.

– Então passe logo esse anel vermelho, doutor!

– Com todo prazer! O anel é todo seu, morenão!

.:. #.:. Ni .:. # .:.

Os inesperados convidados fizeram a festa – deram até um “Fui...” estilizado – e partiram.

No bar, os assaltados, ao se solidarizarem na dor, sentiram falta do velho Nico que, do banheiro, teve a boa vontade de tranquilizar a todos:

– Estou chegando! É que me borrei... Senti comichão a invadir-me o corpo todo com as ponderações dele. Que fantasia frustrada, tchê!

– Tchê, Nico? Virou gaúcho?

– Não, mas foi por muito pouco. Se ele tivesse ficado mais um tempinho comigo...

Crato-CE, 12 de junho de 2011. 12h01min.

[1] Para as gerações futuras: Vc = você. Aliás, você = Vc. E sabe lá Deus no que se transformará você no futuro! VC pode ser um 'você comeu?' ou 'Vai comer? No plural: 'Vocês comeram?' Do mesmo modo, PC pode ser entendido como Primeiro Comando ou, se tiver um Farias, PC Farias.

[2] Moderação.

[3] Adiando.

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 23/08/2012
Código do texto: T3844763
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