A mulher desenhando (cotidiano lírico)

Uma mulher desenhando é a coisa mais linda!

Ela se senta com ternura, ajeita o corpo na cadeira, imobilizando-o docemente, feito uma estátua perto de virar pessoa, e, em curtíssima meditação, inspira e expira o ar sortudo que passa diante de seu rosto em perfume.

(a manhã nasce sobre o Brasil, e os poucos passarinhos que ainda vivem na cidade cantam, apesar da cidade)

Depois, ela abre o estojo e tira um lápis, que lhe vem à mão como um homenzinho magro e rendido, e prestes a cumprir sua sina (como todo homem que se preze): ser instrumento da mão feminina, riscar o que ela manda, achando (pobre tonto) que risca o que quer.

Ela fecha o estojo, e é como se mostrasse ao lápis, ao homem-lápis, isso: vê o mundo, criatura, por minhas mãos, porque dentro desse casulo em que você vive, com tantos lápis sem razão de ser ao seu lado, você não passa de um pedacinho de carbono...

(há café sendo coado, há cuscuz no vapor, e esses cheiros se espalham pela casa, mas nada mais que isso: silêncio, por Deus, que há uma mulher desenhando na sala...)

Então ela abre o caderno (como se abrisse as portas da vida), inclina o rosto e joga por cima de um ombro os longos cabelos, os cabelos bonitos que deixam ver o rosto inclinado, pensativo, escolhendo a coisa que pretende criar.

(uma criança acorda, mas para no corredor, sonolenta e curiosa. Fica a querer entender sua mãe, que sem motivo aparente tomou seu material emprestado pra desenhar, nesta manhã igual às outras, neste dia que nem de férias é)

Seus olhos (os da mulher que desenha) estão atentos, há neles alguma coisa mágica. Sua boca está tensa, dentes pressionam o lábio inferior. Sua mão faz o lápis girar. Enfim ela se ilumina, sorri discretamente, acende as pupilas e desenha algo que começa parecendo uma pedra, depois lembra uma flor, depois lembra um bicho, mas dos retoques finais surge um rosto de homem, de um homem preocupado, de olhar distante; de um homem sempre à procura de alguma coisa perdida no infinito – essa coisa que ele procura, aposto meu braço direito, é a mulher que o desenha.

Outras crônicas em: http://pablodecarvalho1.blogspot.com.br