Trinta anos de idade, e contando ...

Chega uma época em que a gente para, olha pra dentro e conclui (às vezes com um baita susto): eu sou um adulto de verdade, feito achava que só meu pai sempre seria...

De repente, a gente também se dá conta (sorrindo) que viveu décadas numa espécie de entorpecimento, de delírio provocado por televisão, música em demasia, mulheres desperdiçadas, bebedeiras que nos levaram a lugar nenhum – ou melhor, mais justo, mais honesto: trouxeram-nos até o dia de hoje.

É o tempo em que tudo o que foi (menos a infância) parece repetido, sem graça, vazio; em que, se olharmos pra frente e quisermos ainda viver como sempre vivemos, cairemos na loucura, no suicídio, no retardamento.

É o tempo da casa, do trabalho, da mulher que dorme, da criança que cresce, de pensar na existência da vida.

É o tempo de entender o quanto amamos nossos amigos, que, de mãos dadas conosco, venceram as trevas e hoje se olham (perplexos reconhecidos), a dizer: velho, obrigado, você ainda está comigo! É você mesmo, não? Claro que sim!

Lembra, Felipe, de quando você cochilou ao volante e quase nos manda pro inferno? Lembra, Rodrigo, da Belina 1990? Lembra, Zé Edson, de quando você aprendeu a tocar violão? Lembra, Lula, daquele soco que você deu na quina da parede? Lembra, Frank, do fusca que corria como uma ferrari? Lembra, Anum, da mulher desgraçada que levou a mobília da sua casa enquanto você dormia de pileque? Lembra, Diogo, de você vestido de diaba no bloco? Lembra, Mário Aloísio, das mulheres banguelas da Escorpio´s? Lembra, Vanessa, do primeiro livro que escrevemos? Lembra, fulano, que você ficou chateado porque esqueci de mencioná-lo numa crônica, e não se consolou nem quando lhe lembrei que minha memória é um lixo? Lembra? Lembra? Lembra...

Paulo Renault (saudoso amigo), poeta genial que declamava sua arte nos botecos de Maceió e encantava quengas e freiras, dizia que raramente um artista se faz antes dos trinta anos de idade. Sim, ele está correto, e isso é porque em regra um homem só se olha no espelho à vera, só se encara de verdade a partir dos trinta anos.

Hoje, com essa suavidade ao meu redor, não posso dizer que tudo não passou de um sonho, mas que tudo passou de um sonho a outro sonho, mais lúcido e profundo, mais conforme nossa corajosa fragilidade e nosso alcance – que por algum mistério vai além de nós.

Trinta e poucos anos pra começar a entender que a mulher é um segredo que só se revela, e mesmo assim parcialmente, no cotidiano, e se agirmos com uma labuta insistente e encantada de cientista. Que o filho não é nosso herdeiro, é a flor de nossa razão. Que, graças a Deus, Deus jamais seria como aquele que o padre da escola nos ensinou. Que a música, numa festa, não é coadjuvante, é convidada de luxo, é de ser paparicada e ouvida. Que a bebida é feita pra sorrir e não pra gargalhar. Que os amigos, mais que gente de se abraçar e apertar a mão, são nosso próprio coração, enlaçado e protegido, caminhando rumo ao tempo adulto, depois rumo à velhice, e depois, sim, depois rumo a uma silenciosa despedida, rumo à crônica definitiva.

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