Um encontro inesperado

Hoje me aconteceu algo totalmente inesperado. Eu estava saindo de um edifício e meus olhos se encontraram com os de uma senhora que passava. Fiquei olhando aqueles olhos sorridentes, muito vivos, meio apertadinhos, salpicados de rugas ao redor e pensei: “Eu já vi essa expressão antes”. Ela parou e ficou olhando para mim, também, e sorriu. Falei um pouco insegura: “É você, Tita?!” Ela abriu o seu sorriso, agora totalmente aliviado por ter sido reconhecida, e disse: “Sim, sou eu!” Vi que naquele sorriso ainda restava um pouquinho do jeito peralta da criança que ela fora um dia. Nem a presença das rugas não fora suficiente para apagá-lo. Falei: “Não brinca... É você mesma, Domitila?!” Agora, com os olhos mais apertadinhos por causa do sorriso que se abrira por completo, disse: “Sou eu mesma!” Perguntei: “Você também está me reconhecendo?!” Ela fez um gesto de assentimento rápido, ao mesmo tempo seguro. Falei: “Por onde você andou todo esse tempo? A última vez em que a vi era pouco mais que uma criança!” Ela explicou por que estava sumida e completou: “Eu te vi algumas vezes, mas ficava em dúvida, pensando se eu não estaria enganada”. Nesta hora nos abraçamos meio sem jeito. Eram anos e anos que nos separavam. Ela havia morado na fazenda de meus pais quando criança. Moravam na casinha branca da “ponte da onça”, onde a terra tinha a mesma cor da casa e, por isso, realçava o pé de rosas vermelhas que estava sempre florido. Eu pedia a minha tia que me levasse lá para brincar com ela. Enquanto brincávamos de casinha debaixo das mangueiras, minha tia ficava papeando com a mãe dela.

Reuníamos todos os cacos de louça e coisas do mato para montar a casinha. Eu gostava muito de apanhar malacacheta. Achava lindas aquelas coisas brilhantes como vidros. E lá era cheio delas. Depois comíamos queijo e biscoitos fritos com café ralo que a mãe dela fazia para nós.

Agora estava ali diante de Tita, aquela menina levada que deixava seus pais adotivos quase loucos. Eles já não eram jovens e ela era a única filha. Paradas ali, falamos sobre os nossos pais, sobre a infância, sobre filhos e ela apontou para o rapaz que a acompanhava, dizendo cheia de orgulho: “Esse é um dos meus filhos” e eu apresentei o adolescente impaciente ao meu lado: “Esse é o meu caçula!” Em pé ali no meio das pessoas que passavam indiferentes, fomos abrindo as páginas amareladas do passado...

Pouco depois, trocamos os endereços e nos despedimos. Meu filho falava: “Nossa, como a senhora rende assunto desse jeito! Já não agüentava mais ficar ali em pé”. Olhei para ele e pensei em explicar que aquele encontro tinha um significado de resgate. Era como abrir um baú e ir tirando várias lembranças... Era ver alguém que se perdera no tempo e que estava ligada apenas a uma infância distante, a um tempo feliz cheio de venturas e poesias que não foram escritas... Mas não falei nada. Ele não ia entender... Existem coisas que só se compreendem depois que o tempo passa. No momento que estamos vivendo, não somos capazes de saber a importância delas. E, pensado bem, para que eu ia quebrar o silêncio e interromper a recente conversa que minha memória reprisava com todos os detalhes que só a emoção é capaz de reter?

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 21/08/2012
Código do texto: T3842492
Classificação de conteúdo: seguro