AOS PODEROSOS DE PLANTÃO... Porque a vida dá o troco.
Por Carlos Sena
Por Carlos Sena
Passeando pelo calçadão da praia da Boa Viagem, em Recife, sempre encontro amigos, conhecidos, colegas de trabalho. Gosto mais de me encontrar com quem não conheço, pois de quem já conhecemos sabemos muito do que é preciso saber. Não conhecendo a grande maioria que no calçadão desfila, contenta-me interagir com aqueles tipos exóticos que nos brindam com suas estereotipadas figuras. Encontro também de pessoas que eu sei quem elas são, mas elas não sabem quem eu sou. É o caso, por exemplo, de um ancião que vinha em nossa direção num desses dias de calçada contemplativa. Aos passos lentos, dorso meio curvado pelas vigas pesadas do tempo, olhar cansado, cabelos ralos e grisalhos, mas, ninguém ao seu lado. Sentado na mureta do calçadão, comecei a puxar pela memória acerca daquele senhor que eu tinha certeza que conhecia. Rapidamente a “ficha caiu” e eu identifiquei de quem, efetivamente se tratava. No passado, aquele senhor que eu sei, inclusive seu nome, ocupou cargos importantes. Foi Secretário de Estado, Diretor famoso de empresas públicas importantes, salvo engano chegou a ser deputado, vivia nos noticiários, dentre outras coisas. Como pode, pensei! Mas, era ele sim. Calçadão afora sem ninguém do seu lado lá ia ele arrastando os pés. Logo ele que, quando nos cargos andava cercado de seguranças, puxa-sacos e assemelhados. Sua fama era de grosseiro e os poderosos tinham dele sempre as maiores gentilezas. As pessoas mais simples que com ele trabalharam tremiam ao vê-lo passar. Sua fama não era de mau gestor, mas de péssimo trato com as pessoas, com aqueles que não pertenciam ao seu grupo do “toma lá dá cá”... Ele já distante e eu tão perto de realidade dura da vida, refleti: será que ele imaginava, quando poderoso e jovem que o poder era eterno e que nunca envelheceria? Hoje sem mais o poder e sem nenhuma juventude teria ele aprendido a lição? Será que administra bem a vida limitada pela idade avançada e ausência dos bajuladoras e sem as visitas dos amigos de oportunidades de outrora? Espero que esteja bem consigo mesmo e que a lição tenha sido assimilada ; espero que saiba administrar a solidão que disputava com ele espaços, na calçada, com sua sombra magra como que indo para casa Agara (lembrei-me de Augusto dos Anjos). Confesso que fiquei meio deprimido com a inusitada cena – um verdadeiro massacre do tempo sobre uma pessoa outrora poderosa, glamurosa! Julgar? Nunca. Não me compete. Mas será que ele tem consciência do aprendizado que a vida lhe deu por um preço tão alto? Será que ele, agora, do outro lado convivendo com os simples e com os mortais, acredita na LEI DO RETORNO?
Independente, daria tudo para que os poderosos de hoje – aquele que se acham donos do bem e do mal porque estão em cargos importantes, presenciassem aquela cena em pleno calçadão de Boa Viagem. Queriam que eles vissem o que eu vi: um homem pouquinho, quando foi muito. Uns passos lentos, quando foram serelepes, acelerados. Um rosto sulcado, decaído, quando foram firmes e sedosos; um olhar opaco, quando foram lúcidos e brilhantes. Na sua intimidade aquele velho, certamente não está completamente só. Deve ter filhos e esposa não sei se ainda tem...
O calçadão tem dessas coisas. É uma vitrine em que os amigos nos alegram com as conversas atualizadas; onde a gente se diz onde está morando e o que está fazendo e se alegra com tudo feito crianças no velhos tempos. Os desconhecidos nos ensinam mais. Eles ficam diante de nós, embora distantes, mas, sem que se percebam sendo olhados. A gente chega perto deles e começa a conversar e a conversa flui completamente livre de preconceitos. Eles não sabem se somos ricos ou pobres, mas gostam de se sentirem felizes aos nossos olhos. Quando não dá pra conversar a gente olha, vê os detalhes, analisa passos, formas deles se distrair debaixo do sol escaldante tão cheio de liberdade.
Assim é a vida. Nesta hora muitos poderosos devem estar nos gabinetes com ar condicionado "SE ACHANDO": donos do bem e do mal; donos do conhecimento; donos do poder; donos. Tiram e botam pessoas sem o menor escrúpulo, inclusive mantendo pessoas de passado duvidoso nas equipes. Demitem e admitem de acordo com suas vaidades e com suas redes de relacionamentos em forma de corriola. Não atendem telefones de quem é simples, embora, por conta do politicamente correto, disfarcem popularidade e riso fácil. Não recebem quem não agendou. Fecham-se com os seus pares, mas... Um belo dia, o tempo passa, o cargo acaba e a vida passa e lá poderão estar eles fazendo companhia àquele que eu vi passar na minha frente no calçadão: sem poder, sem amigos, sem juventude, sem puxa sacos, sem babões... Talvez implorando um olhar, por piedade, de algum passante que também não olha, que também não chega... Com um agravante que é ter familiares passando por agruras iguais a que eles um dia patrocinaram com outrem quando poderosos foram...