O fim do tempo
O relógio parou. Inerte, como as certezas da vida. Complexo, como as verdades intrínsecas. Inútil, como a vida perplexa diante dos mistérios do universo imensamente indecifrável. Relógio que não mais marca as horas. Sua única medição é a da iniquidade do tempo que assola os corações enfraquecidos de tanta dor, de tanta solidão hermética, de tanto talento sendo usado para nada. Ah! O nada! Palavra completa, que explica o vazio, tanto espacial quanto temporal. O mesmo nada contido, agora, nas horas paralisadas desse aparelho absurdamente ineficaz. Esse instrumento que, outrora, mostrava fielmente a rasuras no tecido relativístico da contagem numérica. Números, nascidos da mente humana, mas que servem ao cosmo, ao deus-matéria, ao inatingível que pode ser tocado, ao imponderável que pode ser explicado, ao vácuo eterno e solene da eternidade execrável da humanidade. O relógio. Esse maldito marcador do tempo. Cronômetro infindável, mas, que achou seu fim nas mirabolantes engrenagens da tecnológica paródia humana. E, tal tecnologia, apática à realidade do verdadeiro tempo que se faz presente, de nada vale para aplacar com a mais misteriosa e amedrontadora das certezas do mundo: o inevitável fim da vida. E agora, nem mesmo para contar quanto tempo resta, esse relógio serve. Mas, se não há mais de servir às mentes mundanas, que ainda tentam se aventurar na bioquímica das reações que geram a vida e a intelectualidade humana, há, ainda, na alegoria do infinito, servir ao universo material, que usará de suas moléculas para criar novas máquinas, novos seres, novas esperanças e novas certezas de que, um dia, todo relógio, qualquer que seja, não mais servirá para contar as perenes horas dessa apavorante e inquietante existência.