Aquele ano foi de poucas águas e a luta para salvar o gado parecia interminável. Levantava um animal aqui, caia outro ali. Levantava um ali, caia outro aqui... Até amarração com rede por baixo da barriga pro animal ficar em pé Cláudio fazia. Fincava no chão quatro paus e amarrava os panos como uma tipoia, de modo que a vaca pudesse comer sem precisar fazer força. Ele aprendeu a salvar gado nas grandes secas do Nordeste, dando papelão molhado e garapa de rapadura às reses mais fracas. Muita gente fazia isso e salvava parte do rebanho. Quem não tinha papelão, oferecia galho de cacto sapecado e os animais babavam comendo churrasco de mandacaru, levemente queimado. De modo que, mesmo morando em Minas, quando as águas eram poucas, Cláudio se valia deste recurso nordestino. — Papelão para vaca parida? Tá ficando maluco? O pasto está minguado, o leite também, mas você pode comprar torta de algodão e dar ao gado. — Nada não, mulher. Quero que o leite saia empacotado, como ovo de galinha. — E a garrafada de rapadura? É para o leite sair adocicado? — Sê besta animal ruminante! Rapadura é o melhor energético para levantar gado. A vaca está muito fraca. Zenofre puxa todo o leite para o balde. É preciso deixar uma reserva pro bezerro e ter cuidado para não esgotar a mãe. Você pensa que é fácil produzir muito leite com pouco pasto? Não quis dizer que no Nordeste, ele mesmo comeu macambira na grande seca de 1932. Nem que era um bufão, um saltimbanco sem tablado, como milhares de retirantes nordestinos que abandonam suas terras, por causa da seca. E lembrando-se dessas coisas, dedilhava a viola, procurando afiná-la com a toada que ouvia quando era novo. Tírú-lírú-lírú, lírú- lírú lírú-lão. Tírú-lírú-lírú, lírú-lírú lírú-lão:
A seca de 32 não foi culpada sozinha, porque desde 27 que ano bom já não vinha.
A lua já era velha e o repertório de Cláudio não se esgotava. — Inté outro dia, cumpade. — Até... Muitas vozes respondiam: Inté...inté... A mulher do fazendeiro ruminava as palavras do marido. Não riu. Mordeu os lábios, fez um muxoxo, depois soltou a língua e os cachorros nele: — Sou uma vaca feliz porque me casei com o touro mais valente do sertão. Proh pudor! Cláudio não pôde segurar o berro, quando a barriga chacoalhou de rir e a coalhada chacoalhada, chacoalhou: Afôôôn - so!... |
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