.:. O cobrador .:.

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– Você foi ao velório?

– Não.

– Ele estava horrível.

– Suicidou-se por enforcamento, não foi?

– Dizem que foi por causa do chefe que o humilhou diante dos outros funcionários, cobrando uma dívida que ele devia ao dono da cantina.

– Não acredito! Matou-se por causa da dívida ou da cobrança?

– Sei lá!

– Vá devagar, seu moço! Tá carregando bicho não!

– Será que esse boato procede? Matar-se por terem cobrado uma mixaria dele? Se não podia cumprir com as obrigações que fechasse o bolso...

– Cobrar não é para todo mundo não, amigo! Não pela dívida em si, mas pela forma como se cobra e se é cobrado.

– Bobagem, rapaz!

– Eu, por exemplo, não sei cobrar nada a ninguém. Se dependesse disso para viver passaria por maus bocados.

– Por quê?

– Tenho vergonha. Acho que ao cobrarmos ofendemos o devedor. E, além disso, se tivesse algum comércio, daria as mercadorias gratuitamente a todos que chegassem maltrapilhos...

– Vixe!

– Mais uma curva dessas e você me joga pela porta! Tá atrasado? Da próxima vez saia mais cedo!

– Você flatulenciou?

– O que é isso?

– Esqueça! Sinta o mau cheiro que invadiu o ambiente e tire suas conclusões...

– É mesmo, né? Nesse horário é horrível! Acontece de tudo. Então você não sabe cobrar, é? Estava até pensando em pedir alguns trocadinhos emprestados a você...

– Mas minha esposa sabe! De uns tempos para cá, sempre que empresto algo, ela é quem se encarrega da cobrança. Ela já foi comerciante. Você entende, não?

– Entendo.

– Minha sogra, entretanto, também não sabe cobrar.

– Como você sabe disso? Antes da sua esposa era ela quem...

– Que nada! O erro dela já está no excesso. Ela é meio arrogante. Parece humilhar o devedor, cobrando de forma muito ríspida, tipo “ou você me paga ou vai se ferrar comigo!”.

– Vai ver que o chefe dele, do nosso amigo, era cobrador igual à sua sogra. Você deve algo a ela?

– Não. Quero dizer, acho que não! Às vezes minha esposa pede e não me avisa.

– Ei, os dois aí! Vão passar ou não? Aqui é o final da linha!

– Odeio quem fala assim comigo! Dá vontade de matar!

– Deixe-o, moço! Vamos passar?

– Eu pago a sua.

– Vai me cobrar depois?

– Final da linha, amigos! Vão descer ou não?

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O claustro é exercício de fácil execução... O que, deveras, nos limita é o espanto da liberdade, porque ser livre exige muito mais que algemas, pressupõe maturidade.