O que nos atrai no escritor
Quando vemos algo muito belo, nosso ímpeto é mostrar essa beleza para alguém.
Já vi alguém falar que fazemos questão de mostrar para o outro a beleza que estamos enxergando, porque é natural compartilhar. No entanto, assisti hoje um vídeo do escritor mineiro Bartolomeu de Queirós, recentemente falecido, em que ele diz que queremos mostrar a beleza para outra pessoa, porque não suportamos ver algo tão belo sozinhos. Logo em seguida, ele nos confessa que escrevia para aplacar a sua dor. Quando sentimos uma dor muito grande, escrevemos. Concordo com este pensamento desse escritor de livros infanto-juvenis. Os poemas tristes que ando lendo, são produto da dor do poeta, sem dúvida nenhuma. O que não significa que o poeta está conhecendo melhor o mundo ou que pode nos ensinar alguma coisa. Ele está simplesmente nos mostrando seu sentimento, quase sempre confuso, atordoado. E é o que dizia o Bartolomeu de Queirós: “quando a dor é muito forte, escrevemos...”
A grande Lispector, se não estou enganado, dizia que se não escrevesse morreria. E nesse escrever o que estamos fazendo é cavando a nossa terra para ver se descobrimos algo que ainda não conhecemos, ainda segundo o escritor Bartolomeu.
Notável é a diversidade humana e as nossas subjetividades se expressam e encaram a realidade de mil maneiras. Claro, não escrevemos só quando existe a dor, escrevemos quando sentimos alegria. É possível que seja mais comum a tristeza, o drama, mesmo porque na tragédia cada um sente de um jeito, enquanto a alegria nos parece mais uniforme. A alegria é igual para todos.
Essas minhas observações, meus amigos e amigas, é para dizer que o escritor não é dono de verdade nenhuma, tateia com a realidade como qualquer um dos mortais, o que ele faz é conversar consigo próprio. Agora entendo quando já me disseram que a literatura tem poucas respostas. Na verdade ela tem muitas perguntas.
Ressalto aqui a honestidade do Veríssimo, que fica sem graça quando é convidado para dar palestras sobre algum assunto. Diz ele: “o pessoal pensa que conheço tudo e me chama pra dar palestras”.
Com certeza o encanto da literatura está justamente nesta humildade de dizer que pouco sabe e naqueles sustos que tomamos quando nos identificamos com uma ou outra descoberta que o escritor nos relata. Há autores que cavam fundo suas almas e nos assustam muito. Foi o caso da Clarice Lispector.
Na minha mocidade, já disse isso, não saía de casa sem antes ler “A vida como ela é”, de Nelson Rodrigues. Na irresponsabilidade da minha idade, era fascinado pelo Nelson e não percebia bem as verdades que ele nos jogava na cara através dos jornais, diariamente. Nelson faria cem anos este ano, e a mídia vai começar uma série de crônicas dele. Confesso, que na minha idade madura não terei mais coragem de lê-lo. O máximo que posso fazer, em homenagem a esse grande compatriota, é desfazer um mal entendido sobre o paulista. Outro dia, Deyse Felix, paulistana e minha amiga, citou uma frase do Nelson: “não há pior solidão do que a companhia de um paulista”. Tive que explicar para a amiga que ele se referia a uma senhora, também paulista, que se casara três vezes, sempre com paulistas empresários. E que trabalhavam tanto que praticamente não conversavam com a esposa. Essa era a queixa da paulista, nada com os paulistas em geral. E para terminar com certa graça essa conversa sobre escritor, transcrevo um pedacinho de velha crônica do Nelson: “percebi que há, realmente, um fatal abismo entre o carioca e o paulista. Foi no almoço que percebi toda a verdade, Imaginem que entrei no, talvez, melhor restaurante da cidade. Todas as mesas ocupadas, gente até no lustre. Comi o meu bom bife. Depois, escolhi a sobremesa: - melão. Enquanto o garçom ia e vinha, levantei-me e fui lá dentro. Quando volto, olho e não vejo ninguém, a não ser os garçons e as moscas vadias. Imaginei-me vítima de uma alucinação. Quando o garçom chegou com o melão, perguntei-lhe, irritado: - cadê o pessoal que estava aqui? Isso não estava cheio? O garçom pôs o prato na mesa: - Perfeitamente. E eu: Não tem mais ninguém, por quê? Antes de responder, indagou:- O senhor é do Rio? Era do Rio. Deu a explicação sucinta e lapidar: - “Aqui, trabalha-se”.
O que, evidentemente, não se dá no Rio. No Rio, três amigos que se juntam num restaurante só saem quatro horas depois. No mínimo, no mínimo. Ah, os nossos papos não acabam nunca. Mentimos muito, porque não há longa conversa sem um belo repertório de mentiras.”
Neste papo que começou sério e terminou alegre, deixo minha humilde homenagem ao meu escritor predileto na minha mocidade.
Minhas saudades, Nelson Rodrigues!
Quando vemos algo muito belo, nosso ímpeto é mostrar essa beleza para alguém.
Já vi alguém falar que fazemos questão de mostrar para o outro a beleza que estamos enxergando, porque é natural compartilhar. No entanto, assisti hoje um vídeo do escritor mineiro Bartolomeu de Queirós, recentemente falecido, em que ele diz que queremos mostrar a beleza para outra pessoa, porque não suportamos ver algo tão belo sozinhos. Logo em seguida, ele nos confessa que escrevia para aplacar a sua dor. Quando sentimos uma dor muito grande, escrevemos. Concordo com este pensamento desse escritor de livros infanto-juvenis. Os poemas tristes que ando lendo, são produto da dor do poeta, sem dúvida nenhuma. O que não significa que o poeta está conhecendo melhor o mundo ou que pode nos ensinar alguma coisa. Ele está simplesmente nos mostrando seu sentimento, quase sempre confuso, atordoado. E é o que dizia o Bartolomeu de Queirós: “quando a dor é muito forte, escrevemos...”
A grande Lispector, se não estou enganado, dizia que se não escrevesse morreria. E nesse escrever o que estamos fazendo é cavando a nossa terra para ver se descobrimos algo que ainda não conhecemos, ainda segundo o escritor Bartolomeu.
Notável é a diversidade humana e as nossas subjetividades se expressam e encaram a realidade de mil maneiras. Claro, não escrevemos só quando existe a dor, escrevemos quando sentimos alegria. É possível que seja mais comum a tristeza, o drama, mesmo porque na tragédia cada um sente de um jeito, enquanto a alegria nos parece mais uniforme. A alegria é igual para todos.
Essas minhas observações, meus amigos e amigas, é para dizer que o escritor não é dono de verdade nenhuma, tateia com a realidade como qualquer um dos mortais, o que ele faz é conversar consigo próprio. Agora entendo quando já me disseram que a literatura tem poucas respostas. Na verdade ela tem muitas perguntas.
Ressalto aqui a honestidade do Veríssimo, que fica sem graça quando é convidado para dar palestras sobre algum assunto. Diz ele: “o pessoal pensa que conheço tudo e me chama pra dar palestras”.
Com certeza o encanto da literatura está justamente nesta humildade de dizer que pouco sabe e naqueles sustos que tomamos quando nos identificamos com uma ou outra descoberta que o escritor nos relata. Há autores que cavam fundo suas almas e nos assustam muito. Foi o caso da Clarice Lispector.
Na minha mocidade, já disse isso, não saía de casa sem antes ler “A vida como ela é”, de Nelson Rodrigues. Na irresponsabilidade da minha idade, era fascinado pelo Nelson e não percebia bem as verdades que ele nos jogava na cara através dos jornais, diariamente. Nelson faria cem anos este ano, e a mídia vai começar uma série de crônicas dele. Confesso, que na minha idade madura não terei mais coragem de lê-lo. O máximo que posso fazer, em homenagem a esse grande compatriota, é desfazer um mal entendido sobre o paulista. Outro dia, Deyse Felix, paulistana e minha amiga, citou uma frase do Nelson: “não há pior solidão do que a companhia de um paulista”. Tive que explicar para a amiga que ele se referia a uma senhora, também paulista, que se casara três vezes, sempre com paulistas empresários. E que trabalhavam tanto que praticamente não conversavam com a esposa. Essa era a queixa da paulista, nada com os paulistas em geral. E para terminar com certa graça essa conversa sobre escritor, transcrevo um pedacinho de velha crônica do Nelson: “percebi que há, realmente, um fatal abismo entre o carioca e o paulista. Foi no almoço que percebi toda a verdade, Imaginem que entrei no, talvez, melhor restaurante da cidade. Todas as mesas ocupadas, gente até no lustre. Comi o meu bom bife. Depois, escolhi a sobremesa: - melão. Enquanto o garçom ia e vinha, levantei-me e fui lá dentro. Quando volto, olho e não vejo ninguém, a não ser os garçons e as moscas vadias. Imaginei-me vítima de uma alucinação. Quando o garçom chegou com o melão, perguntei-lhe, irritado: - cadê o pessoal que estava aqui? Isso não estava cheio? O garçom pôs o prato na mesa: - Perfeitamente. E eu: Não tem mais ninguém, por quê? Antes de responder, indagou:- O senhor é do Rio? Era do Rio. Deu a explicação sucinta e lapidar: - “Aqui, trabalha-se”.
O que, evidentemente, não se dá no Rio. No Rio, três amigos que se juntam num restaurante só saem quatro horas depois. No mínimo, no mínimo. Ah, os nossos papos não acabam nunca. Mentimos muito, porque não há longa conversa sem um belo repertório de mentiras.”
Neste papo que começou sério e terminou alegre, deixo minha humilde homenagem ao meu escritor predileto na minha mocidade.
Minhas saudades, Nelson Rodrigues!