Mayombe

Ontem, enquanto lia uma pequena crônica de uma amiga, pude recordar alguns lugares e episódios, há muito distantes no espaço e no tempo. Refiro-me aos seis anos em que vivi e morei numa Angola (África) colonizada pelos portugueses e marcada por muitas comissões de tropas enviadas por Portugal, para defesa e segurança desses territórios. O meu pai, foi um desses enviados militares, através de várias mobilizações em serviço; Angola, Moçambique e Índia. Nesse tempo, era bastante comum as famílias desses militares, terem oportunidade de permanecerem juntas ou próximas, durante essas comissões de serviço. A crônica que tive oportunidade de ler, falava de uma região situada ao Norte de Angola, muito perto da cidade de Cabinda, quase fronteira com o Congo. Local de florestas densas e características. Essa selva africana, é conhecida pela sua alta densidade florestal, com árvores de porte gigantesco, muito famosas pela altíssima qualidade da sua madeira (mogno, pau-rosa, pau-santo, tola, ébano, etc). Essa enorme floresta, é também o "lar" dos famosos gorilas conhecidos pelos Gorilas do Mayombe (nome atribuído à selva em questão). O meu pai, defendeu durante três anos, uma pequena clareira fortificada no meio da mata, que era chamada de Alto do Bucozau. Completamente isolada na selva e constantemente ameaçada por ataques de tropas inimigas. Assim foi, durante muito tempo e a única comunicação que tínhamos com ele, era através de alguma correspondência que ele conseguia enviar, às vezes. Quero aqui registar, um facto que aconteceu muitas vezes durante esse período de quase isolamento. Algo que, só mais tarde aprendi a perceber e a dar o real valor. O meu pai era um oficial militar e vivia uma situação de guerra iminente, pautada por momentos muito difíceis e de muita insegurança. Isso para dizer que, em momento algum, ele deixava transparecer isso quando nos escrevia e dava notícias. Pelo contrário. Em relação a mim, era muito habitual ele me mandar cartas (aerogramas), em que me contava os seus episódios de guerra, como se fossem aventuras preparadas para ser apreciadas e lidas por um garoto de 6, 7 anos. E o mais revelador e extraordinário era que essas cartas traziam todas elas uma borboleta, seca e dissecada no seu interior. Uma linda e colorida borboleta do Mayombe, que eu retirava com o maior cuidado do papel, mas que deixava sempre uma bela marca do pólen das suas asas. Essas marcas, ficaram registadas para sempre nessas folhas, assim como permanecerão eternamente na minha lembrança.

Mongiardim Saraiva
Enviado por Mongiardim Saraiva em 19/08/2012
Reeditado em 05/07/2020
Código do texto: T3838371
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