A Pomba da Utopia

Alguns acontecimentos globais e locais chamam a atenção da gente.

Comecemos pelo mais recente. O asilo concedido pelo Equador ao fundador do site WikiLeaks, Julian Assange. Esse cidadão trouxe ao conhecimento do mundo revelações importantes por se tratarem de documentos secretos, em sua maioria de governos como o dos Estados Unidos. Sobretudo agora que a internet mostra os acontecimentos em tempo real, com a participação cada vez maior das redes sociais. É muito pouco provável que a repulsa do governo britânico ao asilo concedido pelo país sul-americano esteja relacionada ao fato de Assange estar sendo procurado por crimes de abuso sexual ou estupro. Isso é coisa que acontece à toda hora, em todo lugar e em diversos setores da comunidade mundial. Ou então teríamos que prender o Berlusconi, da Itália, e muitos padres da Santa Madre Igreja, por estupro de menores, inclusive, sem falar em políticos de toda parte do planeta. Na verdade perseguem o Assange por ele ter ido longe demais no que denunciou.

Um segundo acontecimento é o que se refere à morte do Cardeal Dom Eugênio Sales. Não é muito verdadeira a afirmação de que “ele foi uma referência na defesa de perseguidos” pela ditadura militar implantada em nosso país a partir de 1964. Dom Paulo Evaristo Arns chegou mais longe. É possível que Eugênio Sales tenha intercedido por algumas pessoas, livrando-as das masmorras do regime de exceção comandado pelos militares que ocuparam a Presidência da República. Mas se ele tivesse sido realmente um defensor intransigente dos brasileiros que ousaram desafiar o regime, ele mesmo teria sido perseguido e obrigado a deixar o país. Sendo muito pouco provável que o Vaticano lhe tivesse concedido asilo. Contudo, o mais significativo no desaparecimento do cardeal se refere à pomba que ficou um bom tempo sobre o caixão do padre durante o velório. Ficamos sabendo depois, pelo próprio Sistema Globo de Televisão, que se tratava de um animal possivelmente adestrado e treinado para aquele tipo de comportamento. Que tinha a indisfarçável intenção de suscitar aos mais incautos alguma coisa parecida com um milagre. Num indiscutível desrespeito à memória do religioso.

Um terceiro acontecimento se relaciona ao encontro no Rio de Janeiro programado para 2013 – a Jornada Mundial de Juventude (JMJ). Consta que o evento foi criado pelo Vaticano em 1985. Não sei se já houve a realização dessa jornada no Rio. De qualquer modo, procura-se hoje dar à sua importância algo parecido com a que vem tendo a realização dos próximos Jogos Olímpicos. Em função muito provavelmente da necessidade de que a religião católica se mantenha na condição de líder da opção religiosa no mundo ocidental. Certos padres hoje cantam, compõem canções e talvez dentro de pouco tempo estejam participando de telenovelas. É preciso que eles estejam em pé de igualdade com os cultos evangélicos, cujas canções variam do samba ao forró, passando pelo funk, rock e baladas, na tentativa de se tornarem atraentes ao público. Trata-se verdadeiramente de uma competição religiosa. Os eventos evangélicos no Rio costumam provocar transtorno na vida da cidade pelo grande número de adeptos, agravando os tradicionais engarrafamentos e possivelmente contribuindo para situações de insegurança, como roubos, assaltos, arrastões. Tudo em nome de uma religiosidade que não teria sentido se fosse inexpressivo o número de seus seguidores. Cabe aqui uma referência diferenciada ao Espiritismo, de que não se tem notícias de campanhas espetaculares para a conquista de novos adeptos. E, no entanto, católicos continuam indo aos seus centros espíritas assim como muitos evangélicos foram de lá recrutados.

Teríamos ainda, como ainda teremos, outros acontecimentos de relevância digna de nota. O mensalão, o fracasso de nossa seleção de futebol nos últimos Jogos Olímpicos, a guerra na Síria seriam alguns exemplos. Excetuando-se talvez a cobiçada medalha de ouro que a nossa seleção não conseguiu arrebatar, observamos que por trás dos acontecimentos há um pano de fundo que não corresponde necessariamente ao que é levado ao conhecimento das pessoas. Há sempre alguma coisa camuflada ou declaradamente contrária ao que é apresentado como verdadeiro. Como em qualquer tipo de crime, em que se pergunta ao acusado se ele o cometeu e, a despeito de todas as provas e gravações em vídeos mostrando a sua criminosa atuação, ele se declara inocente.

A que conclusão chegamos então? A de que, no caso brasileiro, não temos que lutar apenas por melhores níveis de vida, de distribuição de renda, pela erradicação do analfabetismo, pela solução dos problemas de transporte, de saúde, de alimentação, moradia, etc. Temos que lutar por uma imprensa verdadeiramente livre e independente, sem quaisquer ligações com o poder dominante, seja ele público ou privado. Uma imprensa que não precise dos anúncios do governo ou de poderosos conglomerados financeiros, muitos com sede no exterior, para o desenvolvimento da sua atividade básica de informação. Ou que não seja a sucursal de organismos jornalísticos internacionais responsáveis pela orientação a ser seguida pelos países do Terceiro Mundo. O mesmo acontecendo no exterior, onde a imprensa deverá adquirir o respeito dos governos estabelecidos, sejam eles autodenominados democráticos ou socialistas, a partir da veiculação de matérias eminentemente verdadeiras. Ou pelo menos com a dotação rigorosa do mesmo espaço, quando da veiculação de matérias contraditórias.

Ou será essa mais uma utopia?

Maricá, 19/08/2012

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 19/08/2012
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