Perseguição Futebolística
A gente tenta aguentar, mas uma hora basta. Ninguém pode ser obrigado a conviver com tamanha falta de respeito. E nem era a primeira vez. Já terminei com outra por isso e faria de novo se necessário.
Respirei fundo, tirei o fone da base e teclei o número. Depois de cerca de um minuto de Pour Elise, uma voz melodiosa atendeu.
— Boa tarde. Com quem falo?
— Marcelo.
— Pois não, senhor Marcelo. Meu nome é Edgar. Em que posso ajudar?
— Estou ligando pra cancelar a assinatura do jornal.
— Qual seria o motivo?
— A Bobo persegue meu time.
Seguiu-se o burburinho distante da sala de telemarketing e então a resposta incrédula:
— Desculpe, senhor?
— Estou cancelando minha assinatura porque a Bobo persegue meu time.
— Um minuto, por favor.
Ruídos de uma apostila sendo folheada rapidamente, seguidos de novo silêncio. Enfim:
— O senhor poderia estar me explicando por que acha isso?
— Olha... Qual é seu nome mesmo?
— Edgar.
— Eu não acho, Edgar. Eu sei. Se você não acredita, escuta só. Bem na véspera duma semifinal de campeonato, aquele programa noturno de sábado teve a cara de pau de fazer homenagem pro nosso adversário. Na véspera da semifinal, Edgar!
— Ah. Mas também deve ter tido homenagens pros outros times nos outros dias, né?
— Nem antes nem depois. Não teve mais "homenagem" nenhuma pra ninguém. Nunca mais.
— Olha, se o senhor me permite uma opinião... — Fez uma pausa para meu OK. E se eu dissesse não?
— Diga...
— Acho que só isso não configura bem uma perseguição.
— É porque eu não ainda terminei. Num filme aí que tem o dedo da Bobo, todos os presos torcem pelo meu time. Está lá uma bandeira enorme na parede. O corno da novela das nove, aquele que a Norminha bota pra dormir com calmante antes de ir pra farra, uma vez pediu pra tomar o leite morno mais tarde porque queria ver meu time jogar.
— Hum. Mesmo assim, vai ver eles zoam os outr...
— Uma concorrente narrando um golaço do meu time no último domingo: "Que gol lindo! Passe maravilhoso, finalização de gênio! Golaço, golaço! Uma pintura!" A Bobo narrando o mesmíssimo gol: "Eu acho que ele estava impedido. Não estava impedido, Arnaldo? Bom, impedido ou não, o importante é que está um a zero. E a gente tem que admitir que o gol ATÉ que foi bonito". Aí, pra completar, ainda pegam pra colunista esportivo um comediante muito talentoso que diz torcer pelo meu time, mas só faz humor autodepreciativo. Por isso que eu falo. Vai dizer que não acredita em mim?
— Não sei, não sei — desconversou rindo. Nesse ponto alguém chegou, pegou a conversa no meio e deduziu que era ligação pessoal, porque logo quis saber o assunto. — Tem aqui um assinante tentando me convencer de que a Bobo persegue o time dele — Edgar respondeu baixinho, na pressa tentando abafar o microfone com a mão em vez de teclar o "hold". Não adiantou nada, porque o assinante ouviu não só a explicação como a resposta imediata:
— O Botafogo?
Viu, Edgar? VIU?