Matéria de poesia
Mário Gerson – Jornalista
"Saiu do lugar, um pouco contrariado, e me agradeceu o café que talvez tenha salvado sua tarde"
Houve um tempo em que as preocupações me deixavam um tanto alheio às coisas ao redor. Hoje, não. Talvez porque tudo muda e passo, agora, a observar com mais naturalidade a besteira humana ou outras coisas e fico pensando no quão fútil acaba por ser o bicho homem.
Raimundo, há muito gostaria de ter escrito sobre os trabalhos na Uern, sobre o Curso de Comunicação, sobre aquele trabalho que um colega apresentou a dez professores e recebeu aprovação de todos. Esse, sim, foi um trabalho decente. Mas o tempo e as coisas acabam por suplantar algumas vontades...
Passo, agora, daqui do café, a me lembrar daqueles dias de aula, quando reconheci, lá atrás, numa cadeira, sentado, calado, compenetrado como um homem que deve ao Banco do Brasil, aquele cronista adormecido: era você, Raimundo...
Agora você me encontra no Centro, voltando do café, onde paro para esquecer as coisas e simplesmente esvaziar o espírito, e me pergunta sobre o que escreverei neste pequeno espaço de jornal e um sorriso de ironia aparece no seu rosto e fico pensando, por uns segundos, sobre o dilema. Simplesmente, Raimundo, o texto, a crônica, o conto ou o poema não tem, em mim, essa gestação calculada que observo em alguns colegas, sempre metódicos, sempre anotando, sempre assim, olhando para o papel, como se escrevessem ali uma fórmula mágica. Alguns passam anos em pesquisas, sobre jornais, papéis, papéis e papéis e, por fim, acabam com o trabalho e recomeçam, recomeçam, recomeçam...
Tudo, no fim, Raimundo, é matéria de poesia, mostra um pouco dessa sociedade desigual em que vivemos. Tudo, Raimundo, é uma bela farsa e os mocinhos sempre estarão à frente e os poderosos sempre terão os espaços necessários para exibir suas vitórias ou a cabeça do adversário derrotado. Por fim, meu camarada, escrever é uma arte complexa. Feita de naturalidade e razão, acaba por maquiar as coisas (em algumas situações) e passamos a fazer parte de um time que escreve por escrever ou para se amostrar.
Raimundo, muita gente discorda disso. Acredita ser a poesia como aquele cálculo de Matemática ou Aritmética, ou mesmo encaram a coisa como a Geografia e a História e confundem tudo e falam sobre tudo e nada. Quantas páginas foram manchadas por esses mestres do acaso? Ah, Raimundo, o espaço do jornal é sempre econômico e agora inventaram mais uma grande mentira: que o leitor não gosta de textos longos, que a vida anda corrida, que sejamos breves... essas coisas que algumas pessoas inventam para esconder sua indigência mental e sua falta de reflexão.
Agora, me vejo andando nos corredores do curso, acuado como um bicho em fuga, olhando aquelas salas escuras e vejo as mentes brilhantes dos nossos colegas, todas abertinhas como gaiolas armadas e também vejo os professores e bate aquela saudade, meu camarada, não daquilo tudo, mas do café de Marileide, do sorriso das jovens que entram pela primeira vez na sala de aula, encabuladas como freiras de convento. Depois, vejo-me enterrado naquilo tudo, naquele cotidiano de aula e prova, de prova e aula e naqueles debates sobre o tempo do povo. Quem sou eu, Raimundo, para lhe ditar os tempos e as estações, para dizer, como arauto de uma filosofia de esquina, se você tem tempo ou não para ler este meu texto? Poderia eu, com todos os meus defeitos, acrescentar dois segundos à sua existência ou poupar-lhe cinco, como garantia de algo?
Não, Raimundo... nem sei o motivo de me deter neste assunto, quando vejo, agora na cafeteria, os “novos ricos” levantando o dedo mindinho e tomando uma xícara de café... Daí penso naqueles lá fora, naqueles que fazem parte do nosso texto, no homem que entrou – a pouco – e pediu que eu lhe pagasse um café... Uma mulher, ao lado, se encolheu; outro, apenas virou-se (ficou de costas, para melhor dizer) e então lhe autorizei o café, que ele tomou (as mãos tremiam). Saiu do lugar, um pouco contrariado, e me agradeceu o café que talvez tenha salvado sua tarde.
O texto é isso, Raimundo, ele surge de situações comuns, de respostas e perguntas, para lembrar o clássico ensaio de Otto Maria Carpeaux, mas também é feito de hermetismo, de ilusões e de sonhos e quem poderá dizer o tempo que devemos lhe dedicar, se o texto nos prende, nos absorve, nos anima?
Uma pequena saída, uma visão da cidade, uma saudação e tudo pode estar ali, simplesmente esperando que alguém, com a sua coragem, o ponha no papel...
Observação 01: crônica do jornalista e escritor Mário Gérson, que gerou a minha crônica de domingo passado (12/08/12).
Observação 02: foto do jornalista com uma edição do seu jornal "O Clandestino".