o que é gritar
se não o jeito que se pisca os olhos devagar, a primavera que espera um tempão pra arrancar seu coração, sentir falta quando ainda se trata de ausência, não entender o problema de matemática. O que é gritar quando não existe quando, enquanto não existe enquanto, durante quando não existe durante. O que é perguntar sem querer saber de respostas. Ver sete gatos pretos numa sexta-feira ainda é sinal de má sorte, pescar botas velhas em um lago sujo ainda é coisa de desenho animado. Coragem ainda é ter medo e mesmo assim seguir em frente. O que é gritar quando o ainda é sempre ainda, quando o céu cai e volta pro lugar no mesmo instante, voltar no tempo é andar pra trás. Barulho no alto da noite ainda é fantasma correndo, máscara ainda serve de metáfora pra covardia, o frio ainda é desculpa pra abraço. O que é gritar quando não se tem voz, quando não se tem razão. Ainda é sexo, cantar igual louco, passar pela rua nu? Mas o que é gritar quando não se tem voz se não abrir os olhos devagar. Me explica também o que a primavera faz pra despertar tudo tanto assim e o que é gritar. O silêncio dos primeiros cinco minutos de aula, o edredom embolado, a roupa amassada. Gritar acontece até mesmo onde não há grito. Então o que é isso se não a luz batendo com força na porta pra entrar?