.:. Expectativas
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Amanhã o shopping será reinaugurado. Prevendo o alvoroço e a lotação, decido estudar, ainda na véspera, o melhor lugar para estacionar.
Dezenove horas. Saio do trabalho. Chego ao shopping e paro próximo à placa que identifica o setor N1. Desligo o carro. Desço. Ligo o alarme. Poucos passos me separam do acesso a uma das entradas. De repente, uma cobra multicolorida, verdadeira, maquiada de vermelho, preto e branco, cruza meu caminho. Parecia filhote, mas as cores vivas me acenderam o semblante. Ela atravessa a rua antes de mim e prossegue silente, na mesma direção e sentido que eu pretendia ir. A não mais que três metros de onde estou outra cobra a espera. Elas se tocam, parecendo gente, e seguem, compondo a paisagem.
Pretendia entrar – queria ver a nova decoração da loja de surfe que frequento –, mas fui barrado. O guarda, além de enorme, tinha cara de poucos amigos. Tentei persuadi-lo. Não deu certo. Tudo que consegui foi enxergar um pôster do Carlos Lopes descendo uma onda e tocando com a mão esquerda um tubo perfeito que se formou... Na prancha da vitrine existe o desenho de um pinguim e colocaram as quilhas, quatro, formando um losango. Estranhei. Dei tchau para o grandalhão e comentei:
– Mas as cobras você deixou entrar, não foi! Se uma delas picar alguém amanhã, irei ao seu enterro, “troglô”, garanto! – Resmunguei perto do ouvido do guarda.
Ele me pareceu eufórico, fez menção de me acompanhar, mas corri. Gosto de exercitar-me.
Caminhei ao redor das novas instalações. Bisbilhotei e resolvi sair. Pus o cartão na catraca. A cancela se abriu – se não podemos ver por que nos deixam entrar? – e surgiu uma linda garota, sorridente, oferecendo-me um pedaço de pizza.
– Por que a pizza? Sou enxotado daqui e ainda me oferecem pizza? Comemorar o que, moça?
Sem resposta. Ela continua sorrindo, com a pizza na mão. Fui embora.
No caminho, parei em seis dos oitos semáforos. No sétimo, grito. Acendo a luz interna do carro e encontro uma das duas cobras, justamente a maior delas, exasperada, armando novo bote, após desferir-me a primeira picada. Pego-a com uma das mãos e a coloco no acostamento.
Chego a minha casa. Abro o portão. Entro.
– E então... Há vagas suficientes para estacionar o carro? Essa de abrirem as novas instalações aos poucos não faz sentido... – A esposa vai falando e esperando minha resposta. Reluto em responder. As filhas Insistem. Por fim, somente depois que ouvi “Boa-noite, pai!” da filha caçula, respondi:
– Amanhã, se estiver vivo, dá para estacionar.
Elas sorriram, felizes, e se abraçaram. A mais nova não se conteve?
– Oba! Amanhã iremos ao shopping novamente!
Tomo banho. Leio algumas páginas e a mulher, depois da novela, resolve deitar.
– Está cansado?
– Sim.
– Vamos mesmo amanhã, não vamos?
– Vamos!
Antes de apagar a luz, ainda na cama:
– Seu pé está inchado. O que foi isso?
– Picada de cobra. Encontrei-a no shopping, dei carona para ela, sem saber, e na hora de descer, ela me avisou da forma que podia.
– Sei.
Epa! Mulher quando diz “Sei” é porque não acredita em nada do que estamos falando... E isso eu não tolero!
Ao amanhecer, cedinho, tocam a campainha. Levanto num pulo só, assustado. Quem seria às cinco horas da manhã, meu Padim Ciço? Você se enganou, não era a cobra – era o leiteiro. E foi assim que me curei, tomando leite de vaca.
.:. #.:. Ni .:. # .:.
O shopping estava “encaixotado” de gente que se amassava por todos os lados... Dei forte pontapé no grandão, sem que ele percebesse e, ao sair, mais calmo, liso e feliz, aceitei o pedaço de pizza da bonitona.
Demos sorte e assistimos, numa das novas salas de exibição, ao filme Snake Man – a vingança réptil. E não é que a danada estava lá, toda espalhada, na telinha do cinema!
Crato-CE, 4 de maio de 2012. 20h22min.
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Nada como o tempo para animar os desânimos e desanimar os ânimos.