O hábito de não ler...
Naquele verão, com sol a pino, calor de arrasar, ao conferir o estoque de sua sorveteria Seu Jorge, constrangido, constatou que havia falta dos sorvetes sabores limão, abacaxi e uva, justamente os mais procurados pelos clientes.
Contrariado, antes de abrir as portas para mais um dia de serviço, providenciou uma grande cartolina branca onde escreveu com pincel atômico na cor vermelha e em letras garrafais: “NÃO TEMOS SORVETES NOS SABORES LIMÃO, ABACAXI E UVA”. Colocou o cartaz em local totalmente visível para leitura daqueles que adentrassem ao estabelecimento e abriu as portas.
Mal havia executado o procedimento e adentram três jovens que foram logo dizendo:
--- Oi tio! Vê prá nóis três sorvetinhos ‘da hora’. Um de limão, um de
abacaxi e um de uva...
Seu Jorge, sorriso estampado na face, respondeu apontando para o cartaz:
--- Pediu exatamente os três sabores que constam no cartaz que diz
não termos no momento...
O jovem interlocutor olhou para os companheiros ‘arregalando’ os olhos numa clara demonstração de espanto e respondeu:
--- Foi mal, tio! Desculpa aí... Nem notei o aviso... Então vê prá nóis
três de kiwui...
Sorriso ainda estampado na face, Seu Jorge serviu os rapazes não se furtando em questionar:
--- Não deu para ver o aviso? Está em local não muito visível?
Também sorrindo, os três jovens responderam quase que simultaneamente:
--- ... Nada, tio! Nóis é qui num prestamu atenção mesmu!
Efetuando o devido pagamento do que haviam recebido, retiraram-se do estabelecimento, enquanto proclamavam:
--- Valeu, tio!
Não deu tempo nem para que Seu Jorge respirasse e entrou novo freguês solicitando atendimento.
E foram sucedendo-se os atendimento, até que adentrou ao estabelecimento um casal já de meia idade que foi logo pedindo:
--- Por favor, tio! Vê prá nós um de abacaxi e um de uva!
Pacientemente, Seu Jorge novamente apontou para o cartaz enquanto informava:
--- Vejam! No cartaz informo de que estamos sem sorvetes nos sabores
limão, abacaxi e uva!
A ‘parte masculina’ do casal, foi logo se desculpando:
--- Desculpe! Não havíamos visto o aviso... Então vê prá nós um de
laranja e outro de manga!
Seu Jorge novamente contemporizou e indagou:
--- Não há o que desculpar! Está mal colocado o meu aviso?
Ao que a ‘parte feminina’ do casal respondeu:
--- Não, tio! É que fomos logo pedindo e nem ‘perdemos tempo’ de ler...
E foram sucedendo-se as vendas, com episódios de solicitações dos sabores indisponíveis, devidamente informados pelo cartaz afixado pelo Seu Jorge.
Até que adentrou ao estabelecimento um senhor que também foi logo solicitando:
--- Por favor... Gostaria de um sorvete no sabor uva...
Já um tanto ressabiado pela inoperabilidade do seu cartaz afixado, Seu Jorge novamente apontou para ele dizendo:
--- Como pode ler no cartaz afixado, solicitou um sabor indisponível no
momento...
O senhor ‘literalmente’ ruborizou e desculpou-se:
--- Esta é uma das péssimas falhas aqui no nosso pais! O povo não é
dado muito a leituras...
Paga o preço de cometer erros, assim como o que cometi, tendo à
disposição informes que evitaram o retrabalho de ter de ouvir uma
negativa... De minha parte, desculpo-me pelo inconveniente que
causei...
Demonstrando visivelmente estar um pouco contrariado com a situação, Seu Jorge argüiu:
--- De forma alguma me causou qualquer inconveniente... Muito pelo
contrário! Só reforçou uma já certeza que eu tinha de há muito...
Realmente o povo de nosso pais não é dado a leituras que tem
algum interesse e validade! Veja o senhor que muitos bons livros
contendo poesias, contos, crônicas, prosas poéticas, artigos
abordando assuntos de diversas áreas e que a maioria do povo não
tem conhecimento, ‘mofam’ nas prateleiras das livrarias enquanto
revistas que cuidam de fofocas, vida dos artistas do show-business,
pornografias, etc. são campeãs de tiragem e de vendas!
Não que a leitura engendrada por um povo sane todo o problema
cultural existente, porém, dentro da minha forma de enxergar as
coisas, o povo que valoriza e é dado a inteirar-se dos comunicados
e publicações que lhe acrescentam informações válidas haja vista o
conhecimento, sem sombra de dúvida, é o alicerce de um povo
com cultura diferenciada!