O devorador de livros

O Devorador de Livros

Jorge Linhaça

Ele era um rato de biblioteca. Tal e qual uma traça, devorava livro após livro com uma voracidade inacreditável.

Por dia eram dois ou três livros degustados, não importava o tema, lia desde os clássicos da literatura mundial até livros desconhecidos.

Na mais tenra idade, por volta dos 5 ou 6 anos, aprendera as primeiras letras em gibis do Tio Patinhas e Mickey, ao mesmo tempo não havia coleção de fascículos que seus pais não se esforçassem por comprar: Enciclopédia Bloch, Enciclopédia Abril, Mitologia Greco Romana, Enciclopédia os Trópicos, Os Bichos, Conhecer, Música clássica, jornais, fotonovelas, álbuns de figurinhas, Monteiro Lobato, o que aparecesse era lido, devorado, mesmo que não entendesse bem algum assunto.

A curiosidade foi-se expandindo juntamente com o acesso a novos livros.

Uma história como muitas outras de crianças que encontram nos pais o exemplo para adquirir o gosto pela leitura. Seus pais eram semi-alfabetizados, mal haviam concluído a quarta série. Mas tinham gosto por ler.

Devorar livros, no sentido de ler com gosto, deliciando-se com as palavras escritas, liberando a imaginação e criando as cenas em sua mente, é bem semelhante a degustar as mais deliciosas guloseimas, frutas ou pratos preferidos.

Enquanto a comida segue para o aparelho digestivo que extrai dela os nutrientes necessários para nossas atividades físicas, saindo depois pelo aparelho excretor, o alimento intelectual vai se acumulando em camadas em nosso cérebro, qual os dados acumulados em arquivos no disco rígido de nosso computador.

Muitas informações vão sendo enviadas para pastas de arquivo morto e ficam lá esquecidas e “empoeiradas” até que alguma nova referência às façam aflorar à nossa memória imediata.

Nossa mente aprende a digerir as informações, aprende a correlacionar dados, a fazer associações entre vários assuntos e criar imagens que nos permitem entender e explicar melhor o mundo à nossa volta.

Boa parte dos devoradores de letras acaba por arriscar-se em criar suas próprias histórias, procurando alimentar novos vorazes leitores e fazendo a roda girar em novas gerações. As plataformas podem mudar, o livro impresso pode tornar-se digitalizado, as ideias podem ser publicadas em tempo real e chagar a milhares ou milhões de pessoas com poucos clicks.

Claro que, tanto no papel como nas telinhas do computador, há textos e “textos”...a qualidade varia de autor para autor e até mesmo de texto para texto.

A vantagem da virtualidade é a democratização da informação, a liberdade de se escrever aquilo que se gosta e soltar no mundo sem os custos de uma impressão e gastos com editoras.

Paradoxalmente, essa mesma vantagem interfere diretamente na leitura dos textos, aqueles que participam de grupos de escritores recebem tantos textos por dia que é impossível imaginar que alguém possa ler tudo o que chega à sua caixa postal.

O desejo de ser lido por grande quantidade de leitores leva muitos a participarem de dezenas, às vezes centenas de grupos para os quais são convidados ou procuram encontrar. Ao fim e ao cabo o resultado nem sempre é o esperado.

Mas o mais importante é que quem devora letras e quem escreve letras tenham a oportunidade de encontrar-se neste ou naquele texto, que o emissor encontre o seu receptor e que este, após digerir o que leu, guarde a melhor parte de cada texto lido ao longo de sua jornada. Mais adiante, o hoje receptor, seja pela palavra escrita ou falada, irá utilizar essas referências dirigindo-se a outras pessoas e assim perpetua-se a transmissão do conhecimento.

Arandu, 06 de agosto de 2012.