Sobre a Fome e as Verdades Servidas
A vida, meus irmãos e irmãs, é coisa a ser curtida, degustada e digerida até o momento em que, naturalmente, desperta na gente essa fome do Divino.
Essa fome será saciada com o alimento adequado ao nosso corpo espiritual, a tal da alma; daí, a virtude da paciência e a minha bronca com quem tenta enfiar na minha garganta, comida estranha, verdades religiosas a la foie gras. Pardon, monsieur, mas não posso lhe dar esse prazer às custas da minha dor.
No seu restaurante das verdades, você diz que sua receita é exclusiva e única. Quanta bobagem, basta o sujeito ter uma melhor idade mental e um certo grau de discernimento para compreender que o seu pão francês não veio da França.
E as respostas todas estão ai; monsieur, para quem quiser ver, para quem quiser ouvir. O que nos falta é prestar atenção; um certo brincar; é juntar as peças, seguindo o fio de Ariadne que deveria nos guiar para fora do labirinto. Sem medo do escuro ou de bicho papão inventado para nos colocar para dormir - Tem gente com medo do Minotauro, sem saber que o monstro é reflexo de nós mesmos.
Sim, estou citando a mitologia grega, mas poderia estar mencionando a Bíblia, o Alcorão ou o Baghvda Gita, poderia usar qualquer estórinha da carochinha, até mesmo o Decreto de Bastilha, pois a mensagem se repete o tempo todo nas entrelinhas do nosso contexto, mas a gente se confunde pensando que esses livros são mapas pro céu; quando na verdade, eles são apenas guias para a vida.
E esses guias para a vida, por mais que usem uma linguagem coletiva, exigem uma leitura refinada, interpretativa, individual - isso quer dizer que o seus olhos não podem ler pelos meus e a sua conclusão é só sua; não adianta revesti-la de autoridade, pois cada pessoa é seu próprio autor, não importa a idade.
Idade, monsieur, é coisa engraçada, pois não depende do corpo, depende da graça com que se vê a vida e as coisas nela embutida; por isso que o Rabi da Palestina dizia que o Reino do Céu era o reino das criancinhas, e ele dizia isso não pela inocência dos miúdos, mas porque sabia que era na
simplicidade dos pequenos que se escondia a chave para despertar em nós mesmos, uma visão madura de quem vê em tudo e em todos, o mistério revelado; e esse mistério se revela na forma da alegria e é com alegria, monsieur, e um certo toque de beleza e poesia, que o Divino se manifesta todo dia e toda hora para quem desperta e consegue tecer a sua própria experiência.