Dia do ressentimento (de Fernando Béca)

*** Tive a alegria de ser lida por um jovem de 22 anos, FERNANDO BÉCA. Lendo os textos de Fernando, notei-lhes a qualidade de um escritor de muita importância entre os da geração jovem. Sendo professora, a alegria se faz maior ainda. Fiquei impressionada e emocionada com o texto que aqui apresento sob a autorização do autor e o indico aos amigos escritores.

Dia do Ressentimento

Hoje é dia da ausência do meu pai. Mas, seria injusto com os 22 anos precedentes só o dia de hoje levar essa pecha. Papai foi ausente desde meu nascimento. Ele preferia os outros.

Provavelmente hoje é o dia do aniversário dos meus débitos com ele. É, monetariamente falando. É quando eu lembro que ele pagou escola para mim, porém não doou um segundo de amor.

Acho que hoje se comemora o dia que o Quinho não me levou no futebol e coincide também com as vezes que ele me deixou dormindo no carro sozinho porque estava jogando baralho.

Desconfio, preciso pesquisar, sobre o dia da hipocrisia, ou do ator. Porra, meu pai atuava muito bem na frente dos outros. O amigo dele, que estava para ter um filho, me disse certa vez: gostaria de ser metade do que seu pai é para você. Metade disso aí é quanto?

E olha só: dia do esquecimento. Faz bem uns três anos que meu pai se esqueceu de me ligar, acho que meu número não ficou na agenda dele, deve ser isso...

Recordo agora que nunca pude dirigir o carro dele, e que esse carro nunca foi me buscar na escola.

Vejo também que ele não manteve os presentes que dei em datas comemorativas, o dia em que ele não me parabenizou nem pelas conquistas, nem por minhas datas natalícias... tem muita coisa a ser celebrada hoje!

Fernando Béca