PLANETA LAMMA

Desde sempre nutri uma especial admiração por artistas que fazem da rua um palco, uma passarela, um modo de vida, ou um modo de “ganhar a vida”. Ninguém precisa me lembrar, eu sei, o melhor seria que tivessem estrutura, condições de desenvolver aquilo que fazem com mais dignidade e reconhecimento.

Quando eu era molecote ainda, e corria nas ruas do Meier atrás de bola e pipa, observava pessoas que dormiam nas marquises dos prédios. Alguns ficavam meses ali, dependendo da compaixão da vizinhança para comer pão, ganhar um troco para tomar um café, e até se vestir.

Alguns vivem nas ruas, mas não em nome da arte. Recordo de um senhor que dormia na rua em que eu morava. Um dia parei para conversar com ele que me disse estar na rua por causa das mulheres. Contou que tinha filhos e precisava voltar a trabalhar de alfaiate, sua profissão, para retornar à sua casa e reconciliar com sua esposa. Era um homem vencido pelo vício.

No início dos anos 1980 eu estava com amigos em uma adega (flor de coimbra) na Lapa, quando surgiu um homem com aparência quase Marley e quase Hendrix, um misto indefinido dos dois mitos da música. Trazia um caderno espiral universitário em uma mão, e na outra, alguns discos.

Tentou vender os discos, mas como ninguém comprou, ele falou: - Alguém quer escrever um poema neste caderno? Eu, apoiado pelos amigos, escrevi um longo poema que ocupou duas folhas. Ele leu e disse: - Toma! O disco é seu e o poema é meu! Uma atitude totalmente rock 'n' roll. Agradeci e aceitei a troca. Hoje tenho curiosidade em saber o que escrevi naquele espiral.

Esse artista que vendia sua arte, nunca foi reconhecido pela mídia e pela indústria da música. Gravou mais alguns discos, sempre com seus recursos, e os vendia nas ruas da cidade. Não sei por onde anda, mas o disco duplo, o álbum branco, uma raridade, sempre esteve nas malas quando das minhas mudanças: Damião Experiença – PLANETA LAMMA.

Ricardo Mezavila
Enviado por Ricardo Mezavila em 15/08/2012
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