Casos pitorescos

Em minha vida como dona de casa, já me aconteceram fatos dignos de registro. Alguns só se tornaram cômicos depois de passados, pois no momento em que ocorriam, o que eu mais desejava era desaparecer.

Certa vez, recebi um pessoal do Rio. Imaginei fazer um prato bem mineiro, que é frango e quiabo. Eu estava com uma nova auxiliar, uma senhora do meio rural. Fui para a cozinha e estávamos preparando o almoço, quando faltou alguma coisa. Falei que ia sair rápido para comprar e ela se prontificou em fazer o quiabo. Perguntei se conseguia fazê-lo sem dar baba e ela disse: “É claro que sei! Se fossem dessas comidas difíceis, eu não dava conta, mas quiabo eu sei fazer. Esqueceu que sou da roça?” Olhei para ela e me senti idiota por ter feito semelhante pergunta. Quando cheguei, já era hora de servir o almoço. Não tive a curiosidade de olhar o quiabo pronto. Começamos a servir as travessas e levar para a sala de jantar. Pouco depois, todos estavam posicionados ao redor da mesa. Como toda dona de casa, eu corria os olhos para ver se estava tudo completo. Respirei aliviada, tudo estava perfeito! Assentada em frente de meu hóspede, percebi quando ele foi tirar o quiabo na tigela. Tentou e não saiu nada. Notei um ligeiro desaponto em seu rosto. Insistiu novamente, e nada! Percebi que alguma coisa estava errada, sorri para ele e peguei a tigela. Que coisa horrível eu vi! O quiabo se transformara numa massa compacta, ou seja, uma gosma que escorregava da colher de uma só vez, pois todos os pedaços estavam unidos. Quando vi aquilo tirei imediatamente a travessa, pedi mil desculpas e levei-a para a cozinha. Minha sorte foi ele não estar misturado com o frango. A empregada estava toda sem graça e se desculpava dizendo que devia ser porque estava acostumada a fazer quiabo recém-apanhado no pé, nunca fizera quiabo conservado na geladeira. Não falei uma palavra sequer e, a partir daquele dia, jamais descuidei de supervisionar os pratos antes de serem servidos. Fiquei um longo tempo sem conseguir comer quiabo!

Outro fato engraçado foi o dia em que resolvi fazer polenta, um prato simples, típico da culinária italiana. A mesa foi servida, a polenta fumegante exalava um aroma que aguçava o apetite. Para contentamento de todos, o aroma estava em perfeita sintonia com o sabor. Pouco depois, ouvimos nossa hóspede ligar para a sua irmã em São Paulo e dizer: “Acabei de almoçar. O angu baiano que a Deinha fez estava uma delícia!” Com uma expressão que traduzia toda a minha surpresa, falei baixinho com meu marido: “Angu baiano?! Achei que tinha feito uma polenta!” Ele ficou rindo e me custou um bocado disfarçar o riso para que ela não percebesse.

Outro dia aguardava um pessoal para almoçar preparando um salpicão. Nesta época a minha auxiliar era calmíssima! Se eu não aparecesse, as coisas ficavam como estavam e ela pensando o que poderia fazer. Coloquei a panela maior ao fogo com bastante óleo para fritar batata palha. Quando o óleo estava quase quente, o pessoal chegou e foi entrando pela cozinha à minha procura. Preocupada com o óleo que já estava cheirando, joguei um punhado bem grande de batatas nele, antes de me dirigir às pessoas. Nesta hora, algo inesperado começou a ocorrer. O óleo borbulhante foi subindo...subindo... Parei de abraçar as pessoas e desliguei o fogo. Mas a panela era dessas grossas de alumínio batido e, por isso, conservava muito calor. Conclusão: não adiantou nada eu ter desligado. O óleo continuou subindo...subindo... e eu, sem ação, petrificada, ali olhando. A atenção das pessoas todas se voltou para aquele espetáculo. O óleo parecia uma cascata caindo sobre o fogão e espalhando-se por toda a sua extensão (Não vou dizer “espalhando-se por toda parte” para não plagiar Camões. Lembram-se? “Cantando espalharei por toda parte...”) Creio que não devo envolver o poeta maior da língua, nestas questões culinárias. Passarei para o próximo caso.

Este ocorreu com um senhor. Ele estava na sala conversando com o meu marido e chegou a hora do almoço. Convidei-o para almoçar conosco e ele aceitou. Naquele dia, íamos comer arroz com pequi. Todos em minha casa gostam e por isso não tive a preocupação em mandar fazer arroz branco. Assim que este senhor assentou-se à mesa, deu uma olhada para o arroz. Creio que ele já deveria estar intrigado com o cheiro que pairava e provavelmente chegara à sala. Percebendo o seu olhar, falei: “É arroz com pequi. O senhor gosta?” Ele respondeu que não conhecia. Meu marido falou: “Será uma boa oportunidade para que o senhor conheça. É um prato muito apreciado aqui em casa”. E ele, sorrindo todo amável, disse que teria muito gosto em conhecer. Serviu e provou com aquela cautela própria das pessoas desconfiadas. Todos nós percebemos que ele não havia gostado. Mas como se tratava de uma pessoa de fina educação, disse que estava uma especialidade, mas demorou muito com a tarefa de fazê-lo desaparecer do seu prato.

Este senhor nunca mais voltou a nossa casa e isso serviu de gozação durante muito tempo. Meus filhos costumavam brincar com as pessoas: “Se precisarem de uma receita para espantar visitas falem com minha mãe, ela tem uma infalível!”

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 13/08/2012
Código do texto: T3829009
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