O banho pueril
Uma boa conservação de memórias pode ser um dom, assim como também pode ser um desgosto. Nesse caso foi de bom proveito que guardei belas lembranças. Imagens que as lentes ultrapassadas da minha câmera analógica não tiveram a sorte de portar uma fotógrafa competente para registrá-las, se perderam no mundo das possíveis revelações. Mas tudo o que vi guardei na memória. Se não possuo a técnica do registro fotográfico em mãos, tenho agora um papel e um lápis.
Foi uma cena bucólica: as margens do rio Sanhauá cercadas de conchas extraídas da pesca do marisco e despejadas ali mesmo, produzindo uma ambientação natural. Havia três canoas ancoradas em paus fincados no rio. Cada uma delas com suas cores fortes: uma era verde com as bordas amarelas, outra era vermelha de proa azul e a terceira era verde com bordas vermelhas. Cinco meninos, de aproximadamente dez ou oito anos, se distraiam nas águas quentes e calmas. Três deles vestiam cuecas surradas e sungas de banho, os outros dois estavam despidos por completo. Sem pudor algum, pulavam das pontas das canoas e davam saltos e piruetas água adentro numa distração tamanha que não contavam com os olhares curiosos de quem agora os descreve. Se perceberam que eram observados, isso pouco os importava.
A alegria em delírio dos meninos mergulhadores, saltadores ribeirinhos, fazia todo tipo de preocupação com problemas diários, contas a pagar, apartamento para arrumar, sumirem imediatamente. Foi como se toda a eternidade estivesse contida naquele ato e carregasse dentro de si o gozo e o segredo da vida. Nada sei do cotidiano daqueles meninos. Se catam lixo de segunda à sexta, se pescam caranguejo no mangue, se freqüentam a escola. Mas era sábado a tarde e o Sol aquecia aqueles pequenos corações despreocupados e acalmados pelo rio. Desejei todo o bem e a melhor sorte para eles, que naquele momento externaram a paz e a inocência das crianças. Que suas vidas sigam mansas e que eles possam desfrutar de mais momentos como aquele na calmaria acolhedora do rio Sanhauá, que os abrace e os proteja por uma longa e tranqüila vida.