EVOCAÇÃO

O confrade Aristeu Fatal falou numa das suas magníficas crônicas sobre o Bar da Saudade, Vila Assunção, aqui em Santo André/SP, “aquele que ficava bem ali”, no caminho do Hospital Cristóvão da Gama e ressaltou que nos setenta e tantos anos de seu funcionamento, esse bar foi testemunha de pelo menos quatro gerações.

Muitos dos seus antigos frequentadores já foram levados para o Cemitério da Saudade, que fica um pouco mais adiante e que, o bar de mesmo nome se transformava em parada obrigatória no retorno daqueles que acompanhavam os féretros, para um pequeno descanso, beber uma água, um refrigerante, ou cerveja ou mesmo aquela pinguinha, afinal estavam todos ainda vivos porque o morto, pranteado ou não, já havia sido deixado lá, sepultado, para voltar ao pó, de onde tinha vindo.

Durante a leitura lembrei-me dos estabelecimentos similares no Recife, minha cidade de origem e, para que fique bem claro que não tenho, nem nunca tive, preferência por qualquer um deles, citarei em ordem alfabética:

Chantecler – situado na Avenida Marquês de Olinda, no bairro do Recife Antigo, zona portuária de baixo (bem baixo mesmo) meretrício, com sua placa enorme de neon multicolorido, para justificar o nome, porque chantecler é a forma aportuguesada de Chant Clair, expressão francesa para local claro, literalmente, e que também pode significar galo, a ave que anuncia o raiar do dia.

Originalmente o conjunto de oito prédios serviu para escritórios comerciais no andar térreo e residências nos andares superiores, mas a decadência do bairro transformou as residências em prostíbulos.

Flutuante - O Recife é cortado e recortado por cinco rios, mais de seiscentos canais e por inúmeras pontes, dentre elas a Ponte Maurício de Nassau, hoje de concreto, mas que em sua forma original de madeira, no período da ocupação holandesa em Pernambuco foi a primeira ponte das três Américas, construída para transporte com segurança de cargas e de pessoas, ligando as ilhas do Recife à de Antônio Vaaz, onde ficava o palácio do Conde Nassau.

Ao lado dessa ponte ficava o Restaurante O Flutuante, construção de dois andares, sobre uma plataforma de madeira que flutuava graças ao conjunto de tambores de metal, vazios, afixados na parte de baixo.

Os usuários que optassem pela parte de cima, sem teto, teriam a privilegiada vista das luzes refletidas nas águas mansas do Rio Capibaribe que, obediente à variação das marés, ora fazia com que o restaurante ficasse no mesmo nível, ou um pouco acima, da Avenida Martins de Barros, ora plantado na lama do seu leito.

Galeria – Ainda no Bairro do Recife tem a Galeria que liga as Avenidas Marquês de Olinda e Barão do Rio Branco que funciona desde a época em que eu era menino, com a diferença de que hoje ela tem portas e não funciona mais as 24horas do dia, por causa da violência indiscriminada, e descriminada por nossas leis mansinhas.

Essa galeria era passagem obrigatória para aqueles que, como eu, nos dias quentes, não dispensava uma gasosa (preparada diretamente no copo) ou um leite maltado, (cujo malte era importado da Escócia) nos dias frios.

(Dos estabelecimentos citados é o único em funcionamento)

Gambrinus – Instalado no mesmo conjunto de prédios onde funcionou o Chantecler ficava o Restaurante Gambrinus de fundamental importância para os que trabalhavam no Bairro do Recife, onde estavam instaladas as agências dos bancos nacionais e estrangeiros.

Lembro-me bem de dois pratos deliciosos, “galeto al primo canto” e a “dobradinha de peru”.

O Gambrinus está fechado temporariamente até a conclusão das obras de restauro do conjunto chantecler que dizem, será transformado num centro de lazer e cultura, com salas de cinema, teatro, biblioteca, praça de alimentação...

Se o projeto sairá do papel?... Hum!... Só acredito vendo.

Genba – Genba San, um japonês de pouco mais de um metro de altura que recebia a todos com sorriso de manequim, (Nunca ouvi-lo falar uma única palavra em português.) era o dono da tradicionalíssima sorveteria instalada na Rua da Aurora, Bairro da Boa Vista.

Naquele tempo, sorvete e filme na telona, faziam parte do programa domingueiro e quem fosse para o Cinema São Luis, na mesma calçada do Genba ou nos que ficavam do outro lado da ponte da Boa Vista, podiam se deliciar com o melhor pudim de laranja que eu já comi (talvez por ter gosto de infância) ou os sorvetes de açaí, beribá, cupuaçu, manga, graviola, bacupari, ubaia, morango, ameixa, creme de leite, cajá, umbu, mangaba, coco, milho verde...

Agora, tantos anos depois eu ainda sinto todos os sabores armazenados no recôndito da memória adolescente...

Savoy – O Café Savoy, instalado na Avenida Guararapes, era o local de encontro dos apreciadores da bebida que “fugiam” dos escritórios para a pausa do cafezinho, fumar um cigarro, rever os conhecidos, todos profissionais das empresas instaladas nos arredores da avenida mais importante daquela Recife que, feliz ou infelizmente, não existe mais.