ALMAS  QUE  SANGRAM

 
Aqui, agora, a sós, na cama, percebi porque me lembrei da tia Cora.
Ela, na sua magreza mística, dizia que na separação de duas almas afins, após certo tempo de convivência fraterna, os laços que as mantinham unidas tornam-se perceptíveis, e, rompidos pela ausência de uma, expõem seus eflúvios, vindo eles a tomar a forma de abundante gotejamento de sangue.
Duas almas amantes se afastam e gotejam sangue?!!! Sei.  Muito interessante. Zombava.
Quarenta anos de casados! Quando minha mulher viaja sem mim, fato presente, num merecido passeio de poucos dias, perco o norte dentro de casa.
Ontem, por exemplo, estava prestes a escovar os dentes com o creme de barbear!  Não chego ao extremo de dizer que vesti a calça com a braguilha pra trás, mas a camiseta, incomodando o pescoço, sim, estava com a gola virada!
Sobre a alimentação, deixo prá lá. Estou craque no miojo.
Incomum, torna-se a noite. As coisas ficam mais difíceis: a leitura, um dos passatempos, cansa, e os olhos insistem em não se fecharem. Eis quando os pensamentos assaltam, mostrando o quanto estou ligado e dependente dessa mulher.
Almas afins, quando se separam, sangram, dizia tia Cora. Não à toa, o assédio suplicante é tanto, que busco nos lençóis por alguma mancha de sangue! Pode?

Eta, tia Cora!
 
(Buááá... Quero a minha “veinha” de volta!)