A rudeza dos homens e a maciez das rosas

A rudeza dos homens e a maciez das rosas

Acordei! São 06:30hs da manhã. Acordei um pouco tarde hoje. Alonguei o corpo preparando-me pra mais um dia...

Ao primeiro impulso para abrir com mansidão, a janela do quarto e começar a olhar o tempo, a rua, a vida e as pessoas no seu passar, no seu ir e vir sem fim - que tanto gosto de apreciar-, fui interrompida repentinamente no meu gesto, para apreciar bem escondidinha e, com mansidão, a cena que acabava de surgir à minha frente.

Rua ainda calma. Dia muito nublado. Surge na rua e diante dos meus olhos um senhor magro, negro, de cabelos bem curtinhos e brancos, bem branquinhos. Tinha um enorme guarda-chuva preto apoiado no antebraço. Talvez até maior que ele próprio...

Calçava nos pés magros e enlameados, sandálias tipo havaianas, de cor marrom. Suas pernas, mais magras ainda. Vestia uma bermuda creme e uma camisa vermelha de algodão, empoeirada pelo tempo. Era folgada em seu corpo muito, muito franzino.

Estava então diante de minha janela secreta um ancião com andar meio entrecortado e miúdo pelo cansaço de sua velhice.

O que ele fazia? Simplesmente roubava algumas rosas da casa vizinha. Tirava-as com calma e delicadeza. Parecia querer apenas e exclusivamente as rosas, pois, lhes tirava cuidadosamente o caule espinhoso. Talvez para esquecer o espinho de cada dia. Afinal, quem não tem espinhos...

Coçou um pouco os bolsos e achou uma sacola. Nela guardou suas preciosas rosas vermelhas colhidas no jardim alheio. Antes, porém, cheirou algumas delas e as beijou.

Em seguida seguiu seu trajeto com seu andar miúdo e entrecortado e com expressão feliz. Caminhou pela rua com lama e água, resultado da chuva caída na noite passada.

Vi tudo secretamente da minha janela. Meus olhos o acompanharam até o fim da rua até seu corpo sumir na última esquina..., mas meus pensamentos foram juntos com ele.

Fiquei então a pensar, ainda imobilizada pela cena, como as rosas ainda cativam os homens.

Como elas, ainda, apesar de toda nossa rudeza, nos fazem parar em meio à beleza,

Talvez ele, o ancião de minha estória, as levará para sua amada e irá presenteá-la logo, logo no início do dia. Quanta delicadeza!...

Quem sabe, talvez, não tenha tido dinheiro pra comprar alguma no dia dos namorados comemorado a alguns dias atrás. Afinal, namoro e amor não têm idade. Tem cor...sabor...

Fiquei curiosa para saber o destino daquelas rosas...

Talvez seguissem para enfeitar algum jarrinho em sua casa.

Talvez para fazer um chazinho, preparar aquele banho de ervas ou..., ou...

Simplesmente só pra ele ficar com elas ao longo do dia e estas lembrar-lhe que a vida pode ser macia como suas pétalas, perfumada como suas pétalas. Talvez...

Assim, quem sabe, seu dia será mais alegre, juntinho ao lado delas, de suas rosas.

Ao lado da maciez e não da rudeza...

Só pra ter o gostinho de jardim e de infância com cheirinho de rosas logo, logo de manhã. Ah! Que cheirinho bom e doce é o da infância...

Deveríamos expressar mais a maciez das rosas pra anular os nossos espinhos. Ninguém quer ser espinhento. Os jornais, a televisão, as favelas, as neuroses do dia a dia revelam tantos seres espinhentos que nos causam dor. A mim, de maneira especial...

Quantos relacionamentos espinhosos, desertosos, conflituosos, pavorosos, tortuosos, rancorosos, dolorosos...

Barulhentos, fedorentos como ratos no porão...

Talvez, por isso, querer roubar o perfume das rosas e, esquecer por alguns instantes,

O ardor que não é de amor e sim de dor. Sei que as rosas possuem espinhos. Penso que eles são em nós, as nossas sombras interiores.

Mas, quando lembro, que acima deles e de maneira soberana, graciosa, imponente e, por vezes, simples- ainda com o poder de nos encantar como encantou o ancião visto de minha janela- encontram-se as pétalas no final de cada ramo a dominar, acredito piamente que, essa é a nossa natureza interior mais bela que deve se expressar a cada dia. No fundo ninguém quer ser rude.

Quer carinho, afeto, dengo, aconchego, respeito, civilidade, atenção...

A gente quer comida, carinho, diversão e arte como canta a canção. Muita. Muita arte pra refrescar os dias. A rosa é uma delas.

Não sei pra onde foram àquelas rosas, nas mãos envelhecidas do ancião de minha manhã. Só sei que, senti naquele momento e naquele gesto de vê-lo colhê-las ou, simplesmente vê-las num jardim e se alegrar, penso então estar embutida em nós, um pouco dessa fome de maciez, fome de frescor e de perfume no desabrochar de cada dia.

Recife, 30 de junho de 2008.

Fátima Arar
Enviado por Fátima Arar em 10/08/2012
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