TABUS
Apesar de todas as rupturas e certezas, sobrevivem as palpitações. O compartilhado durante a história do casal é exposto numa alegria nostálgica e numa expectativa tardia. Será? Os dois envelheceram, miram-se em busca das antigas projeções e se embaralham nas recém-rasgadas rugas. Confusão. Continentes tão conhecidos e o embaraço na abordagem. O corpo presente em fantasia e tão distante do contato da realidade. Como?
A afinidade no olhar para a vida, o estranhamento com o breu de algumas mortes e a forte atração sexual não são suficientes para recompor os corpos vergados com as esperanças do outro. Tantas vezes buscaram a íntima trilha do companheiro e se perderam nas próprias relvas desconhecidas. Tentaram compartir as bagagens, mas o excesso de sonhos os submetia à exaustão dos projetos. Procuraram os atalhos, os mapas, a intensidade das terapias, os silêncios continuados, mas perdiam-se absortos nos ecos do outro, gritos abandonados na íntima caverna do medo.
Quantas retomadas. O olhar do primeiro encontro, a carne trêmula agarrando-se aos gestos enraizados na inquietação. O cenário do encantamento tantas vezes reconstituído. O corpo arraigado ao corpo de nós sem definir os tempos conjugados, como se o encontro fosse simplesmente uma projeção do gerúndio. Quantas despedidas. As palavras ressecadas na pretérita ferida ressuscitada. O corpo agarrado a plural identidade de ser o outro na percepção da plenitude de um eu amante.
Lúcidos, os apaixonados reconhecem suas fragilidades na entrega impetuosa e inundam os turbados discursos amorosos com o córrego erótico que não respeita margens. Desesperados de dor e encantamento tentam subestimar o culto orgástico. Privados do furor são corpos rotineiros que já não sentem palpitações, não sonham, já não se bastam...
As carnes cansadas se rendem à ternura. Encolhem-se na tentativa de dar espaço à luz da alma e adormecem recortadas no outro num fraternal abraço... Emoções à flor da pele, os amantes velam o corpóreo desejo exaurido entre o sagrado e o impuro, a estrutura sensual que não poderá ser restaurada e que permanecerá como um totem a sombrear os rituais religados à saudade de ser no outro a consagração do eu.