.:. Coisa de recruta .:.

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O recrutamento é uma das melhores épocas da caserna. O internato compulsório, as novas amizades, o lúdico[1] provocado pela transição entre a vida civil e o mundo peculiar dos militares... Fato é que, salvo raríssimas exceções, é justamente nessa época que surgem os tipos mais esquisitos e os apelidos que carregaremos por toda vida militar. Algumas alcunhas são exageradamente engraçadas, causando muitos dissabores ao “felizardo”, mas alegrando, sobremodo, a todos os demais.

É jargão militar que “tal cadete, tal oficial”; “tal recruta, tal praça pronto.[2]”– mística com origem no tal pai, tal filho.

Os casos reiterados ao longo do tempo revelam, incontestavelmente, que os tipos extravagantes, em sua imensa maioria, são detectados no período de formação: os inimputáveis (esse é o tipo de militar que você olha para ele e pergunta “como essa criatura conseguiu passar no exame psicotécnico?”); os gatunos (coisa rara em nosso país); os beberrões (detalhe à parte); os mulherengos (tipo raro, motivados pelo calor humano dos recrutamentos sociais e/ou vítimas dos excessos hormonais); os "um-sete-um" (aqueles que sempre se dão bem diante de chefes que adoram bajulação)... Os tipos são inúmeros, e as coexistências temperam todo período de formação.

Mas, contando o milagre sem revelar o nome do santo e deixando a fofoca sob a responsabilidade dos que vivenciaram a cena, vamos ao caso:

No período de formação, os militares são submetidos a vários tipos de instrução, em diversas matérias: Tática e Técnica de Tiro, Salvamento em Alturas, Terrestre, Aquático. Durante uma das instruções de Tecnologia e Maneabilidade contra Incêndios – TMI, dois recrutas conversavam, enquanto o oficial fazia as explicações referentes ao material da viatura. O tenente Caxias explicava que o croque servia para proteger os militares em ocorrências envolvendo redes energizadas, que o equipamento, apesar de rústico, facilitava a aproximação quando as vítimas ficavam expostas a tais riscos... Os recrutas, alheios às orientações, papeavam:

– Rapaz, meu irmão abriu uma lojinha de bijuterias e está vendendo bem.

– Coisa boa!

– Fui ontem lá para conferir e fiquei alguns minutinhos no caixa.

– Legal!

– Chegou uma mulher e me pediu ajuda na compra de um par de brincos.

– Você entende disso?

– Entendo é nada, mas foi fácil ajudar!

– Como assim?

– Ah, rapaz! Ela chegou com uma foto 3x4 e me pediu para escolher um brinco para a irmã dela... Olhei para a foto e fui atrás de um que combinasse. Foi molinho.

– Sério?

– Ei, vocês dois aí! Dez flexões cada um! Eu aqui dando instrução e os dois papeando... Se não se interessam devem ser espertalhões e, portanto, podem me ajudar, certo?

– Sim, senhor! – Responderam em uníssono.

– Recruta 1021! Já que você estava conversando, pegue um CROQUE para mim. Rápido!

O recruta, incontinenti[3], saiu para o cumprimento da missão. O instrutor, assustado, estranhou o itinerário: o militar, sem nenhum temor, dirigiu-se à guarda do quartel e saiu rumo a um dos mercadinhos da imediação. O oficial, pensando tratar-se de mais uma gracinha do recruta, permaneceu em silêncio. Minutos depois, suado e cansado, o bisonho aproxima-se do instrutor e, mansamente, diz:

– Desculpe a demora, meu chefe, mas pense num bairro de comércio ruim! Não tinha CROQUE em nenhum lugar, então eu trouxe XILITOS... Serve?

As observações feitas pelo oficial instrutor, dentro dos padrões militares, são dispensáveis comentar. Entretanto, para alívio de consciência e objetivando manter o foco narrativo, pincelarei o início:

– Seu monstro!

E ao nosso protagonista coube a alcunha de “Recruta Xilitos”, tratamento carinhoso pelo qual ainda hoje é conhecido.

Encontro-me num terreno instável, expressando relativa e insegura opinião. Meus sentidos, efervescentes, buscam retratar o que de minha alma transcende. Há efêmero transe turbando-me a consciência, mas, mesmo assim, apesar do medo, jorram as manifestações dos meus sentidos.

(Do livro "Crochê de palavras")

[1] Divertimento

[2] É o nome que se dá ao soldado depois que termina o período de recrutamento.

[3] Imediatamente.

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 10/08/2012
Reeditado em 10/08/2012
Código do texto: T3823454
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