[Outra Crônica Inútil: Pirações]

O que há de errado comigo, por que raios não gosto da palavra 'inspiração"?! Não gosto mesmo, prefiro "piração", ou até "captura em voo" — pois toda ideia, toda palavra está a fugir de nossa atenção — quanta coisa que eu pensei agorinha mesmo, mas perco no curto espaço entre o quarto e a sala!

Nada vem do ar, da tal inspiração — tudo referve no fundo escuro da minha mente, tudo! Pensar [e escrever] parece com a pescaria de bagres: quando mais turva, mais funda e escura é água, mais peixes a gente captura!

Dou exemplo: em certo dia de um agosto que já vai longe [uns 47 anos...], eu pescava no Trindade, lá em Itumbiara... dia fraco, pegava nada, nadica de nada... um tédio bom p'ra observar borboletas! Mas de repente, corgo acima, alguém despejou um caminhão de terra: a água funda do rebojo da curva se turvou, vermelha de terra, e la das profundezas, vieram os bagres... graúdos, vários deles! Mas logo, a água limpou e os bagres sumiram outra vez! A água ficou clara, clara... sem mais peixes, e sem revelações.

Pirações... talento, para quê? Para memorar coisas... e para pescar em águas turvas, é claro! Os escuros, os desvãos da mente estão cheinhos de imagens, só esperando o anzol lançado pela mão que escreve! E isto não tem nada a ver com a inspiração: que ninguém me fale na dita cuja! E que ninguém me diga que o tal anzol é que é a inspiração... não é! Pode ser até mesmo um susto, uma lufada de vento, um coqueiro troncho, um cachorro magro, um trote de cavalo... sei lá o que mais!

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[Desterro, 09 de agosto de 2012]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 09/08/2012
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