Cores, perfumes e sensações ancestrais I

Às vezes, a gente olha nos olhos de quem ama e não se demora, muito menos imagina que é a última vez e é essa que se prende mais forte, fixada no sentimento devorador que é a saudade. Vejo-me ainda parada, beijando aquela mão calejada pelo trabalho árduo, pedindo a benção, como é costume em minha família paterna e ouvindo um vigoroso “Deus te abençoe minha filha”.

Essas palavras viajam no tempo, ecoam em minha mente e abraçam o coração cada vez que penso nele. Um homem simples, do campo e cuja ligação com a terra era tão forte que lhe revestia de um misto de natureza rude e doçura impensáveis.

Esse homem foi meu avô. Marcou minha vida e saber que não está mais lá, no fim do mundo onde nasceu e passou toda a sua existência, mexe comigo de forma inexplicável.

Não por uma ou outra lembrança, mas pela totalidade delas. Com seus cheiros, cores e sensações.

Lembro-me daqueles finais de semana em que, descalça e descabelada, corria livre, explorando os mistérios e aventuras para encontrá-lo. Na maioria das vezes era mandada de volta para casa, na marra, simplesmente porque ali não era lugar de menina.

Da brisa suave e perfumada do amanhecer sendo rapidamente substituída por um sol escaldante, que tornava o céu azul com nuvens tão esparsas e que podiam ser contadas com os dedos, na cor mais deslumbrante e absurdamente linda que se possa imaginar.

O avivar e aguçar dos sentidos, quando meus olhos se perdiam no descampado, atentos ao encontro perfeito do céu e da terra e me perguntando, se era ali, onde meus olhos não alcançavam, que estava o começo do mundo.

Lembro-me também das noites, que mal caíam , eram iluminadas por uma enorme fogueira, onde todos se reuniam após o jantar para ouvir histórias e estórias . Foi o melhor contador de “causos” que conheci, e ainda hoje, embora alguns pontos desafiem minha lógica, tenho dificuldade para discernir o real do imaginário tal era a ênfase dos detalhes, que deixavam todos com a imaginação fervilhando de curiosidade.

O presente mais legal, estranho e inesperado que ganhei dele foi um pé de caju. Isso mesmo! Um cajueiro, lindo e majestoso, entranhado na terra e do qual vira e mexe, recebo notícias. E as caixinhas com pó de traque com as quais me divertia em festas de São João também.

Ele era assim, uma figura sempre disposta e cheia de ideias. Que estava aqui e ali, sempre com suas camisas em xadrez e seu chapéu preferido, imprimindo sua originalidade e bom humor por onde passava.

E hoje, no correr desse cotidiano implacável, quantas vezes olhamos sem enxergar? Quanto de valor dedicamos à companhia de quem realmente amamos?

A morte é irreversível e não admite negociações. O que resta é o amor, que, quando verdadeiro, torna-se residual preenchendo as lacunas do vazio e do tempo que, muitas vezes, nos mostra o quanto teríamos feito diferente naquela última vez.