Ter ou não Ter
A violência não oferece trégua. Somos prisioneiros em nossos próprios lares. Cercas elétricas, cães ferozes, câmeras e sistemas de alarme fazem parte de um coquetel de medidas que nos transforma em reféns do medo, trancafiados em nosso próprio calabouço urbano. E quando alguém inventa de possuir uma arma? A tragédia se levanta entre quatro paredes.
O senhor Gilson foi um desses. Por nada menos que cinco vezes, teve sua residência arrombada e invadida. Cinco vezes. Não era um homem dotado de muitos recursos. O cachorro era facilmente intimidado com pedaços de carne envenenada ou recheada com sonífero. Dois foram mortos. Somados ao seu desespero, vinham as lágrimas das crianças. Subiu o muro o quanto pôde, ornamentou-o com cacos de vidro, reforçou as trancas.
O ladrão é tenaz, audaz, e quando deseja entrar em um lugar, nada o segura. Na última feita foram abordados quando retornavam de um passeio, por dois elementos armados e mal-encarados. Momentos de terror como aquele a família jamais viu. A privacidade invadida, a arma contra a gorda bochecha das crianças. A mãe sendo apreciada com um pedaço de carne. A masculinidade de Gilson desafiada e humilhada.
Na simples recordação daquelas horas, fervia-lhe o sangue. Inflamavam-lhe as veias. Como defender a família do próximo evento? Foi-lhe sugerido, por um vizinho, a compra de uma arma. Ali mesmo, no bairro, um elemento dispunha de arsenal destinado ao comércio fácil. Ele relutou por vários dias, trocou idéia com a mulher:
- Deus me livre homem, arma é um perigo.
Ele ponderou, pesou os fatores e quando lembrou das ameaças à mulher, dos desafios à sua condição de marido, resolveu-se. O sujeito vendia as armas em sua própria casa. Era uma propriedade afastada, com uma área destinada à pratica de tiros, visto boa parte da clientela nunca ter utilizado qualquer um daqueles apetrechos. Gilson comprou arma e balas e disparou três tiros, para sentir o coice do artefato. Sorriu satisfeito. Alvejou as latas com firmeza, seguindo as instruções do comerciante. O homem contava com o silêncio dos vizinhos, todos clientes, e com a parceria do medo que a todos ronda.
A mulher quase teve um ataque de nervos. As pernas tremeram, a voz rouca sumira. As crianças viram brilhar seus lindos olhos: o pai tinha uma arma. Enfim estavam seguros. Não entendiam aquele zelo excessivo da mãe. Mas as mães são assim, temem por tudo, temem por nós. Brincava o casal de filhos, em uma manhã de sol, em domingo feliz. Gilson faria um churrasco à moda da casa. Saiu para comprar carvão e mais um pouco de carne.
Alguns vizinhos, convidados a participar do evento, compareceram com alegria e reforçaram o almoço com o que de bom pudessem oferecer. O evento era de felicidade completa. As crianças, que foram ficando esquecidas, enquanto os adultos se organizavam, decidiram mostrar aos filhos dos vizinhos a nova “conquista” do pai. Descuidado e ignorando a ousadia infantil, Gilson deixou o apetrecho em alcance das ágeis e pequenas mãos. A filha mais velha, na casa dos quase 10 anos, empunhou o instrumento, que reluziu diante das pequenas faces luminosas.
Não se deve puxar o gatilho, todos sabem, mas a pequena princesa não sabia que a dita estava carregada. O belo disparo iluminou o ambiente. Foi como um relâmpago seguido pelo seu trovão. Um pequeno corpo caiu desfalecido. Em meio ao corre-corre, foram todos parar no hospital. O pequeno atingido, sorte teve desta vez. O tiro furou um dos pulmões. Sobreviveu. A arma foi capturada pela polícia. Gilson responde a processo em liberdade. Os ladrões observam a casa, como se fosse um pedaço de bolo servido a crianças, em festa de aniversário.
A violência não oferece trégua. Somos prisioneiros em nossos próprios lares. Cercas elétricas, cães ferozes, câmeras e sistemas de alarme fazem parte de um coquetel de medidas que nos transforma em reféns do medo, trancafiados em nosso próprio calabouço urbano. E quando alguém inventa de possuir uma arma? A tragédia se levanta entre quatro paredes.
O senhor Gilson foi um desses. Por nada menos que cinco vezes, teve sua residência arrombada e invadida. Cinco vezes. Não era um homem dotado de muitos recursos. O cachorro era facilmente intimidado com pedaços de carne envenenada ou recheada com sonífero. Dois foram mortos. Somados ao seu desespero, vinham as lágrimas das crianças. Subiu o muro o quanto pôde, ornamentou-o com cacos de vidro, reforçou as trancas.
O ladrão é tenaz, audaz, e quando deseja entrar em um lugar, nada o segura. Na última feita foram abordados quando retornavam de um passeio, por dois elementos armados e mal-encarados. Momentos de terror como aquele a família jamais viu. A privacidade invadida, a arma contra a gorda bochecha das crianças. A mãe sendo apreciada com um pedaço de carne. A masculinidade de Gilson desafiada e humilhada.
Na simples recordação daquelas horas, fervia-lhe o sangue. Inflamavam-lhe as veias. Como defender a família do próximo evento? Foi-lhe sugerido, por um vizinho, a compra de uma arma. Ali mesmo, no bairro, um elemento dispunha de arsenal destinado ao comércio fácil. Ele relutou por vários dias, trocou idéia com a mulher:
- Deus me livre homem, arma é um perigo.
Ele ponderou, pesou os fatores e quando lembrou das ameaças à mulher, dos desafios à sua condição de marido, resolveu-se. O sujeito vendia as armas em sua própria casa. Era uma propriedade afastada, com uma área destinada à pratica de tiros, visto boa parte da clientela nunca ter utilizado qualquer um daqueles apetrechos. Gilson comprou arma e balas e disparou três tiros, para sentir o coice do artefato. Sorriu satisfeito. Alvejou as latas com firmeza, seguindo as instruções do comerciante. O homem contava com o silêncio dos vizinhos, todos clientes, e com a parceria do medo que a todos ronda.
A mulher quase teve um ataque de nervos. As pernas tremeram, a voz rouca sumira. As crianças viram brilhar seus lindos olhos: o pai tinha uma arma. Enfim estavam seguros. Não entendiam aquele zelo excessivo da mãe. Mas as mães são assim, temem por tudo, temem por nós. Brincava o casal de filhos, em uma manhã de sol, em domingo feliz. Gilson faria um churrasco à moda da casa. Saiu para comprar carvão e mais um pouco de carne.
Alguns vizinhos, convidados a participar do evento, compareceram com alegria e reforçaram o almoço com o que de bom pudessem oferecer. O evento era de felicidade completa. As crianças, que foram ficando esquecidas, enquanto os adultos se organizavam, decidiram mostrar aos filhos dos vizinhos a nova “conquista” do pai. Descuidado e ignorando a ousadia infantil, Gilson deixou o apetrecho em alcance das ágeis e pequenas mãos. A filha mais velha, na casa dos quase 10 anos, empunhou o instrumento, que reluziu diante das pequenas faces luminosas.
Não se deve puxar o gatilho, todos sabem, mas a pequena princesa não sabia que a dita estava carregada. O belo disparo iluminou o ambiente. Foi como um relâmpago seguido pelo seu trovão. Um pequeno corpo caiu desfalecido. Em meio ao corre-corre, foram todos parar no hospital. O pequeno atingido, sorte teve desta vez. O tiro furou um dos pulmões. Sobreviveu. A arma foi capturada pela polícia. Gilson responde a processo em liberdade. Os ladrões observam a casa, como se fosse um pedaço de bolo servido a crianças, em festa de aniversário.