De julgamentos e de medalhas
Assistimos pela televisão dois espetáculos deprimentes para o Brasil: As Olimpíadas e o julgamento do “mensalão”. Lá em Londres vemos o predomínio de chineses, norte-americanos e outros países diante da incompetência de brasileiros nos quais depositávamos nossas esperanças. Aqui vemos um processo que demorou sete anos para ser julgado começar com uma questão de ordem no mínimo incoerente, pois aborda assunto já debatido pela mais alta Corte do Brasil. Em Londres, Diego Hypólito e Fabiana Murer tropeçam em seu favoritismo, enquanto outros atletas tupiniquins não vão além de posições sem destaque. Em Brasília, onze ministros que tem por missão lavar a alma dos brasileiros, acertando contas com os corruptos, tomam horas e horas para discutir se o processo pode ou não ser julgado em relação aos que não têm foro privilegiado. Lá na Inglaterra nossos valentes guerreiros mostram a deficiência de um Brasil sem apoio e sem preparo emocional para momentos de tensão, cometendo erros grosseiros que nem um iniciante cometeria. Aqui, um juiz do porte de Ricardo Levandowski mostra que está levando o julgamento como questão pessoal, defendendo o direito dos réus que não ocupavam cargos na república das bananas de não serem julgados naquela casa. Em Londres, confirmamos que não estamos preparados para receber os jogos olímpicos mas, como não temos a humildade de reconhecer, faremos uma festa esplendorosa para entregar as medalhas aos estrangeiros. No Brasil, a mais alta Corte tomará um mês inteiro de sua agenda para mostrar ao mundo que este pode ser um país sério. A oportunidade é inédita, pois os olhos de todo o planeta vão se voltar para algo além de nossa floresta, nosso samba, nosso futebol. Que imagem vamos transmitir?
O Procurador Geral da República, ao finalizar a leitura da peça de acusação, usou a música de Chico Buarque: “dormia a nossa pátria-mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”.
E já que estamos em época de eleição, nunca é demais lembrar meu poema Revolta:
Eu sou a voz que vem das ruas (e ninguém ouve).
Não há quem lute por meu bem (e nunca houve).
Você aprontando das suas (não há quem prove).
Consciência você não tem (ou então não ouve).
Sou o pobre que passa fome (que nunca come).
Minha vida não tem sossego (e você some).
Nem posso dizer que sou homem (sou lobisomem),
Você não me deu um emprego (e eu com fome).
Sou o doente sem atendimento (medicamento).
Imagine o meu desespero (que atrevimento)
No hospital, tanto sofrimento (tanto lamento),
Você não mandou o dinheiro (do orçamento).
Sou a criança desnutrida (que quer comida),
Sem escola e sem sorriso (quase sem vida).
Esquecida, mal assistida (desiludida),
Sonhando com o paraíso (que atrevida).
Sou o caboclo que espera (se desespera).
Que tem tantas necessidades (tanta esperança).
Minha vida, tanta quimera (tanta miséria).
Não encontro boa-vontade (tanta sujeira).
Eu moro num acampamento (no acostamento)
Sem nenhum pingo de esperança (que sofrimento).
Quero ir para um assentamento (com saneamento),
Quero escola para as crianças (fim do tormento).
Quero semente pra plantar (eu quero comprar)
E cultivar dignidade (e poder pagar).
Quero ficar no meu lugar (não quero mudar),
E não ser 'mais um' na cidade (aqui vou ficar).
Sou favelado que espera essa nova era,
Qualquer milagre que me tire logo daqui.
E você aí num gabinete bem bacana, cheio de grana,
Cheio de gente que lhe chama de doutor.
E sem pudor vai se esquecendo que fui eu
Que pus você aí pra me tirar daqui.
Para fazer deste um lugar melhor pra se viver, eu e você.
Mas parece que esse posto, que esse gosto
De estar aí nesse lugar, fez você esquecer que eu o elegi.
Não entendi quando você desapareceu e esqueceu sua promessa.
Foi bom à beça, você veio à minha casa e pareceu ser meu amigo.
Fomos à rua e protestou junto comigo, dizendo:
'Amigo, quero um mundo melhor pra se viver'.
E você foi se esquecer.
Pegou meu voto e foi morar noutro lugar.
Pra me ajudar, pra melhorar, você prometeu.
E esqueceu até meu nome.
Nem parece que me viu passando fome,
Morando num casebre, palafita.
E você aí, numa casona tão bonita,
Cercado dessa gente que acredita
que isso nunca vai mudar.
Pode esperar, pois essa mamata vai acabar.
Um dia você vai ter que voltar e me encarar.
Pois um dia eu também terei que voltar a outro lugar.
E nesse dia eu espero que eu tenha aprendido, de tão sofrido,
Espero que eu não tenha esquecido, seu fingido.
Espero que eu não queira mais errar.
Pois eu vou tirar você desse lugar.
Espere, nesse dia eu saberei votar.