O expectador nato

Aí estão as Olimpíadas, já perto do fim. Estou aproveitando mais do que imaginaria para um evento que não é transmitido pela Globo. Eis a verdade: estou aproveitando bastante. Fui tomado de certa febre olímpica. Estive acompanhando a maior parte das disputas, mesmo no trabalho. Na semana passada, aconteceu a final dos 50 metros nado livre. Dois brasileiros brigando pelo ouro. Um pouco antes, eu já estava assistindo pela internet. Súbito, veio o homem da informática reclamar que a internet estava muito lenta. Perguntou se eu estava baixando algum filme. "Filme, não", respondi. Perguntou então se eu ouvia música on line. "Música, não". Bem, eu não menti. 

Mas aconteceu o seguinte: a fim de não sobrecarregar o servidor e nem deixar de acompanhar a final olímpica, desci do prédio e fui procurar uma televisão. Arrumei uma na lanchonete do prédio. E lá fiquei esperando por cerca de 15 minutos até que a prova de 21 segundos começasse e frustrasse a todos os brasileiros. Voltei então ao trabalho. Se não encontrasse a TV na lanchonete, eu teria ido até um Shopping Center lá perto. Nele existem duas televisões transmitindo os jogos. Passo por lá na hora do almoço e depois do trabalho. Acompanho o que estiver passando. Até o time de vôlei feminino do Brasil eu consegui encarar.

E digo mais: acompanhei a partida em pé. Foi o meu sacrifício em nome da pátria. Em pouco tempo, o banco em frente fica vago e eu sento. O Brasil erra mais um ataque. Zé Roberto pede tempo e orienta nossa jogadora: "Pode jogar a bola pra baixo". Mal, vamos mal. De repente, uma senhora senta ao meu lado e começa a assistir. Não tinha cara de quem gostasse de vôlei. Ou, direi tudo: não tinha cara de quem entendesse de vôlei. Sei apenas que na jogada seguinte o Brasil errou outra vez e eu esbocei um brado de indignação, abafado pelo brado da senhora ao lado. O time de vôlei feminino do Brasil é de mexer com os brios de senhoras recatadas.

No terceiro erro, ela não se aguentou e partiu. Mas continuava ali, ao redor da TV, um grupo de pessoas que havia resolvido deixar para mais tarde qualquer compromisso. Na partida de futebol feminino, eu contei 50 pessoas - ou melhor: 48 marmanjos. O interessante é como todos reagem igual. Um gol perdido causa exatamente a mesma reação nas 50 pessoas.  E havia público para o basquete, para a ginástica, para qualquer esporte que estivesse passando. Houvesse xadrez nas olimpíadas e haveria um grupo assistindo também. Quando não havia jogo e a televisão se obrigava a passar coisas como, digamos, o Balanço Geral, ainda havia um público fiel acompanhando. 

Súbito, veio a revelação: o brasileiro é um expectador nato. Eis uma verdade que escapou ao Nelson Rodrigues. Não é por outro motivo que gostamos tanto de novelas, ou que nos acotovelamos para acompanhar qualquer batida de trânsito. Se pudéssemos, acompanhávamos o nosso próprio parto. Cheguei a pensar num telão transmitindo as votações do Congresso. O Código Florestal, por exemplo. Ou o julgamento do mensalão no STF. A população aprendendo os ritos do poder como quem aprende rapidamente as regras do judô ou da ginástica nas olimpíadas. Pensei nisso, e então veio o intervalo comercial.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 06/08/2012
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